Próximo presidente terá Congresso marcado por vícios

Sem um Parlamento renovado, novo chefe do Executivo federal terá de costurar apoios com vários partidos

Escrito por Redação ,
Legenda: Os brasileiros vão às urnas, já sendo preparadas, no domingo em um clima de polarização
Foto: AFP

Brasília. O próximo presidente da República deverá lidar com um Congresso tão pulverizado como o desprestigiado Legislativo atual e fazer alianças com todo o tipo de clã político para governar, apesar da Operação Lava-Jato que pretendeu desenterrar os vícios da "velha política", opinaram analistas.

"A grande maioria dos parlamentares que são candidatos à reeleição será reeleita", assegurou Sylvio Costa, fundador do site especializado "Congresso em Foco". "E também a chamada renovação (...) são, na verdade, pessoas ligadas a clãs familiares, ou grupos políticos tradicionais", acrescentou Costa, que estima em um terço dos 513 deputados e mais da metade dos 81 senadores atuais são investigados ou acusados.

O Congresso também estará pulverizado, com cerca de 30 partidos, e suas principais forças voltarão a ser, com toda a chance, as três que dominaram a vida política no último quarto de século: o PT, do ex-presidente Lula; o MDB, do presidente Michel Temer; e o PSDB, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Mas em 33 anos de democracia esses partidos nunca tiveram uma maioria absoluta, dando origem a um "presidencialismo de coalizão", no qual o presidente precisa formar coalizões variadas em troca de favores, como atribuição de recursos e nomeações a cargos no Executivo.

Essa dinâmica, que em 2005 derivou no escândalo do mensalão, "não vai mudar e é o coração do problema", explicou o cientista político Matías Spektor. Os procuradores da Operação Lava-Jato, que em 2014 descobriu um enorme sistema de propinas pagas por empreiteiras a políticos e partidos para obter contratos na Petrobras, pediram sanções eleitorais aos envolvidos nos escândalos.

O ano de 2018 é a batalha final da Operação Lava-Jato, porque as eleições de 2018 determinarão o futuro da luta contra a corrupção no nosso País", afirmou o procurador Deltan Dallagnoll, de Curitiba.

Uma luta, ao que parece, perdida desse ponto de vista. E que não avançou muito na área judicial, pois praticamente nenhum dos políticos como foro privilegiado - legisladores e ministros - foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Alguns desses casos, no entanto, foram tratados desde maio pela Justiça comum, que costuma trabalhar de maneira mais acelerada.

"Antes, no Brasil, o risco de uma condenação judicial (para políticos do Congresso) era baixíssimo. Hoje aumentou muito", admite Costa.

Jogo de cintura

As alianças serão fundamentais em uma legislatura que irá requerer muito jogo de cintura para reunir os apoios necessários e aprovar, por exemplo, a Reforma da Previdência, considerada pela maioria dos candidatos como fundamental para endireitar as deficitárias contas públicas. O candidato de extrema direita Jair Bolsonaro, favorito nas pesquisas de intenção de voto para o primeiro turno, em 7 de outubro, é do PSL, que conta com apenas oito deputados e que dificilmente conseguirá obter mais que o dobro dos votos.

Seu provável adversário no segundo turno, Fernando Haddad, sucessor de Lula, terá que lidar com o forte "antipetismo" do Congresso, que em 2016 destituiu a ex-presidente Dilma Rousseff.

O cientista político Thiago Vidal prevê uma "legislatura conturbada", qualquer que seja o presidente eleito.

Há quem veja em Brasília, a utópica capital criada há quase seis décadas, um símbolo da distância da elite com relação aos cidadãos. Seu icônico Congresso -dois altos edifícios próximos a suas semiesferas brancas, uma virada para cima (Senado) e outra para baixo (Câmara dos Deputados) - se tornou há alguns anos uma das instituições nas quais os brasileiros menos confiam. "O problema maior é provavelmente o da representação", explica Costa.

No Brasil, mais de 50% da população são mulheres e 54% da população são negros e pardos, mas no Congresso as mulheres ocupam apenas 10% das cadeiras, e os negros e pardos não chegam a 20%, lembra. O sistema brasileiro acaba escolhendo "pessoas de um circuito muito restrito da nação, em geral pessoas ricas e brancas", lamenta.

Desafios

A recuperação da economia, após dois anos de recessão (2015 e 2016) e outros dois de fraco crescimento, será um dos principais desafios do novo presidente, segundo analistas. No centro das discussões está uma reforma da Previdência, questionada pelo PT, embora admitida por candidatos mesmo de centro-esquerda, para tentar reduzir os déficits do Estado.

Outro desafio: acabar com a escalada de violência que a cada ano deixa mais de 60 mil mortos. Segurança, juntamente com saúde, educação e habitação - setores com escassos orçamentos- estão entre as maiores preocupações dos eleitores.

As pesquisas apontam há semanas que Bolsonaro irá para o segundo turno. Se eleito, será a primeira vez que o Brasil votará em um presidente de extrema direita, um apologista da ditadura (1964-1985) e de seus métodos de tortura. O líder da extrema direita, que admite ser totalmente leigo em economia, anunciou que nomeará à frente de um poderoso ministério da Fazenda o ultraliberal Paulo Guedes.

Disputa diferente

Por que a campanha é inédita?

Lula, com quase 40% das intenções de voto, foi excluído da corrida eleitoral após meses de idas e voltas político-judiciais. Bolsonaro, por sua vez, ao ser esfaqueado em um comício em setembro, foi afastado das campanhas nas ruas, mas capitalizou o atentado a seu favor.

Qual impacto terão os escândalos sobre a eleição?

Limitado. Dezenas de políticos acusados de corrupção devem permanecer ocupando cargos, segundo analistas. Os caciques regionais e, em muitos casos, seus filhos provavelmente serão reeleitos. A Lava-Jato colocou atrás das grades dezenas de altos executivos e líderes de quase todos os partidos, mas não conseguiu revolucionar a prática da política