Um vizinho em apuros

O Brasil acompanha com preocupação o agravamento da crise econômica argentina. O vizinho, que mal se reergueu das turbulências passadas, está entrando em outra que pode ser ainda maior e mais dolorosa. Para a América Latina, o derretimento daquele país desperta temores sobre o que está por vir. Quanto ao Brasil, especialistas divergem no que tange aos possíveis impactos que serão sentidos a partir do abalo sísmico na Argentina.

As reformas e estratégias do governo Maurício Macri, antes elogiadas por autoridades monetárias e especialistas do mercado financeiro, agora são questionadas com veemência, o que vem engordando a crise de confiança sofrida por lá. Os problemas começaram a se intensificar sobretudo no fim do ano passado, quando o Banco Central da Argentina flexibilizou generosamente seu modelo de metas inflacionárias. Em 2017, os argentinos padeceram com a inflação acumulada de quase 25%. A mudança estabelecida foi vista como um ato de intervencionismo do Executivo, fato que minou a credibilidade das políticas econômicas.

Desde então, a economia argentina virou um cipoal de incertezas, com a fuga de investidores e a voraz apreciação do dólar em relação ao peso argentino. Se, para o Brasil, o contexto externo destes primeiros meses de 2018 tem sido desfavorável, para o vizinho, o cenário é ainda mais desalentador.

O aumento dos juros praticados nos Estados Unidos foi o estopim para a instalação da tempestade perfeita na Argentina, que precisa recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para não pisar o fundo do poço.

A medida extrema traz estrondosas dúvidas acerca do futuro do país contíguo. Antes do vendaval, analistas consideravam a projeção de crescimento de 3% para este ano, mas as estimativas devem ser revisadas e, por fim, a Argentina não deverá crescer mais que 1% em 2018. Para completar o pandemônio, o governo Macri não tem conseguido formar maioria no Congresso.

O Legislativo tenta reverter medidas de interesse do governo que haviam sido aprovadas. Para o povo argentino, a piora das últimas semanas invoca fantasmas cuja lembrança ainda segue vívida. Nos últimos 70 anos, houve 15 crises econômicas, média de uma a cada 4,6 anos. Logo, trata-se de uma nação vulnerável até a pequenas perturbações.

No tocante aos efeitos que essa crise poderá acarretar ao Brasil, observam-se duas correntes de análise. A primeira delas defende que o País sofrerá consequências limitadas, estritamente em relação à balança comercial.

O setor automotivo brasileiro deve sentir os golpes mais lancinantes. Conforme a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), 76% das exportações de veículos são para a Argentina. Considerando todos os produtos, a participação das vendas para a Argentina representa 8% do total das exportações.

Já o segundo viés, mais pessimista, acredita que a tormenta que atinge a Argentina é apenas a manifestação inaugural de um período amargo para os emergentes. Se os juros norte-americanos e europeus engrenarem sucessivas elevações, os emergentes, Brasil incluso, deverão testemunhar a fuga de investimentos. Desde a crise de 2008, observou-se o oposto. Pelo maior retorno que possibilitavam, os emergentes eram mais atraentes e, por isso, muito dinheiro circulou. O tempo dirá qual das hipóteses mais se aproximará da realidade. Independentemente disso, a crise argentina deve servir de alerta para o Brasil.