Recordando a felicidade

Naquele bairro afastado, onde em criança vivias a remoer melodias, de uma ternura sem par. Passava todas as tardes um realejo risonho, passava como num sonho, um realejo a cantar. (Velho Realejo, de Custódio Mesquita e Sady Cabral, 1940). Naquele distante mês de junho de um ano já esquecido, costumava transitar na nossa ruazinha um trovador que solfejava num realejo essa linda canção. Que saudade me trás... Montava um jumentinho passado nos anos e conduzia no céu da lua da sela um viveiro com um papagaio inteligente e palrador. Quem quisesse saber o futuro da própria vida, ao custo de uma moeda, ali estava a oportunidade. O papagaio apanhava com o bico um papelzinho no qual estava o destino do curioso, sempre "cor de rosa".

Eis aí o sucesso daquele negócio, no qual sempre fui enganado. Satisfeitos os incautos, partia o trovador solfejando aquela linda valsa. Um pouco mais cedo, por ali passara o Pedro da Jumenta, que vendia flores arrumadas na cangalha do seu jumentinho. Não me lembro de ter visto o Pedro vender uma simples rosa. Antes, passara por ali a Maria Rosa, vendendo seus badulaques, de nenhuma serventia. Era uma mulher andrajosa e de aparência doentia. Por isso, a meninada lhe aperreava, gritando a pleno pulmões: "Maria Rosa, cadê o Pedro da Jumenta?" .E ela, furiosa, corria atrás da garotada. Ainda havia outras personagens das quais falarei depois.

Vamos para os preparativos da festa de são João que se aproximava. Minha mãezinha já preparara o seu famoso aluá. O pote de barro já estava "apurando" o pão. Os bolos de milho, de batata, pé-de-moleque, canjica e pamonha já estavam nas formas. A lenha para a fogueira ficava sob a responsabilidade dos meninos: eu, o Joãozinho e demais vizinhos. As meninas da praça São Sebastião, lindas de morrer, estavam alvoraçadas e ispilicutes, trocando confidências sobre seus desejos. E, assim, chegou a hora da fogueira com o fogo a crepitar. Minha mãezinha era só alegria com o sucesso da sua festa, e os meninos, felizes, paquerando as belas adolescentes e vice-versa... "Ficou tudo diferente, nada será como antes, só ficou a nostalgia daquela Felicidade. E do seu jeito bom de Amar." (Nostalgia da Bossa).

RUI PINHEIRO SILVA
Coronel reformado do Exército