Primeiro transplante cardíaco no Ceará

Desde 1987 procuramos organizar uma equipe multiprofissional com a finalidade também de realizar transplantes de coração no Ceará. Foi um momento de muita aprendizagem e convivência fraterna da equipe.

Dessa forma, o primeiro transplante cardíaco no Ceará aconteceu e era pleno sábado de Carnaval, ano de 1993, o segundo, em maio; ambos no Hospital Antônio Prudente, com absoluto sucesso.

Meses depois, como cirurgião cardíaco concursado, no Hospital de Messejana - hoje, Hospital Carlos Alberto Studart Gomes - procurei ampliar o programa. A missão parecia impossível. Não havia apoio político administrativo. Mas, a semente foi lançada. Treinamos pessoas e esse hospital é hoje referencia em transplante na rede SUS.

A partir de 1980 o transplante de órgãos aumentou em progressão geométrica, principalmente com a descoberta da ciclosporina e suas extraordinárias ações no combate à rejeição. O mesmo aconteceu com o transplante cardíaco. Em 1993, atingiu o ápice.

Foram 4.851 transplantes no mundo, sendo metade nos EUA. A comunidade científica internacional estava em euforia. As conquistas imunológicas, obtidas com a clonagem de mamíferos, faziam-nos pensar que essa tecnologia poderia ser aplicada na manipulação de órgãos de animais para transplante em seres humanos. Foi apenas um momento de ilusão.

Apesar dos progressos tecnológicos, os resultados mostraram-se abaixo das expectativas, com uma mortalidade de 20% no primeiro ano, 40% em cinco anos e 80% em dez anos. Com isso, o número de transplantes cardíacos, mundialmente, mantém-se estagnado ou diminuiu. Em 2010, por exemplo, foram registrados 3.892 casos. Nos EUA, com 300 milhões de habitantes, dos que necessitam transplante cardíaco, só 0,1% é atendido.

No Brasil, nos últimos 10 anos (ABTO 2012), apesar do grande esforço, o número de transplantes cardíacos se mantém estável.

Uma média de 160 transplantes por ano, proporcionalmente quase dez vezes menos que nos EUA. Grosso modo apenas 0,01% dos pacientes que precisam de um novo coração são atendidos. De dez mil necessitados, apenas um teria a chance do transplante.

A conclusão é que o transplante cardíaco é uma realidade científica, mas ainda está longe de ser uma realidade social. Com o melhora da educação, inclusive no trânsito, diminuiria ainda mais o número de doadores de órgãos. Paradoxalmente, aquilo que de um lado representaria avanço, de outro levaria à preocupação.

Dentro dessa complexa e cruel realidade, difícil de ser compreendida e solucionada, surge à possibilidade de procedimentos alternativos. Quando bem indicados os resultados são alentadores.

Compreendem em uma primeira fase: procedimentos integrados por cirurgias de revascularização miocárdica, reparação ou troca de válvulas cardíacas, ressecção de aneurisma ventricular, implante de marca passo, ressincronizador e desfibrilador. Tudo isso associado ao uso de novas drogas que melhoram o desempenho cardíaco. Quando bem indicados tendem a melhorar a qualidade de vida e a sobrevida. Em segunda fase: avanços tem acontecido no aperfeiçoamento de pequenas bombas centrífugas que podem ser instaladas dentro ou fora do coração com o objetivo de contribuir com a propulsão de parte do sangue que o mesmo enfraquecido não consegue bombear.

São dispositivos que, apesar de muita tecnologia, não estão conseguindo atender aos anseios da comunidade científica.

No Ceará, pioneiramente, patrocinado pela Studheart Medical Technologies, em parceria com centros médicos nacionais e internacionais, está em processo avançado de desenvolvimento um protótipo de assistência circulatória semelhante, trazendo algumas inovações que poderão contribuir na melhora da sua eficácia.

Em terceira e última fase: teremos um coração artificial total. Já foi liberado para teste clínico, pelo governo francês, uma prótese cardíaca total chamada Carmat. O primeiro implante em humanos, fato de uma importância histórica importantíssima, foi realizado com sucesso no último dia 18 de dezembro em Paris, França. Essa prótese é revestida internamente por tecido biológico, sendo o objetivo substituir inteiramente o coração doente, realizando todas as funções do coração normal. Esse estudo é liderado pelo cirurgião cardiovascular Prof. Alain Carpentier, com quem tive o privilégio de trabalhar, no Hospital Broussais, em Paris (1979 e 1980).

A população de miocardiopatas graves continua à espera de um tratamento real e acessível. Esforços foram somados, mas há muito a evoluir. A esperança é que essas inovações tecnológicas chegarão rapidamente, e que em breve corações em falência serão substituídos por corações artificiais, com boa sobrevida.

Mas, tudo que é cientifico e novo em medicina, especialmente quando envolve pesquisas em humanos, devemos ser prudentes, observadores e estudiosos criteriosos na análise dos resultados.

Glauco Lobo
professor de Medicina da UFC