Picadeiro da infâmia

Imagine ser alvo de uma investigação, ser despertado às 6 horas da manhã por agentes, ter sua casa revistada na aurora e o seu nome imediatamente estampado em todos os jornais. Amigos e familiares tentam entrar em contato diretamente com você, mas não conseguem, pois seu celular foi apreendido. Você ainda não sabe, mas, sem processo nem direito a recurso, já foi condenado.

Os mesmos amigos e familiares que tentaram lhe telefonar podem até acreditar na sua inocência, mas a opinião pública, quem não o conhece bem, passará a vê-lo com uma eterna desconfiança, afinal "onde há fumaça há fogo". Mas será mesmo?

Você pode até assegurar que nunca vai cometer um crime, mas não pode garantir que nunca vai passar por essa situação. Se isso acontecer, você vai desejar viver em um País em que as instituições respeitam o sigilo das investigações e as leis.

É claro que não defendemos o enfraquecimento de órgãos como o Ministério Público, essencial no Estado Democrático de Direito. No entanto, como escreveu Nietzsche: "Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você".

Persecução criminal não se faz em picadeiro, em que os investigados figuram como palhaços cujas maquiagens não se podem retirar com água. As marcas da desonra são permanentes. Shakespeare, em "O Mouro de Veneza", escreveu que a boa fama é a maior joia que alguém pode ter. Quem tem seu bom nome subtraído não enriquece a ninguém, mas se torna totalmente pobre.

A lógica é simples (ou deveria ser): existe uma apuração anterior à condenação justamente para separar os inocentes dos culpados, mas a partir do momento em que se jogam reputações na lama, subvertendo a ordem natural do processo, todas as etapas processuais posteriores se mostram irrelevantes, afinal meros suspeitos são colocados nos cadafalsos das forcas em praça pública.

De que adianta inocentar um cadáver? Vimos o lamentável caso do ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Cancellier de Olivo, que teve sua biografia lançada no pântano da infâmia e tirou a própria vida. Agora que a montanha pariu um rato e que as gravíssimas suspeitas levantadas contra si não se confirmaram, podemos dizer que uma mão invisível o empurrou daquele parapeito de shopping center. A mesma mão que puxou o gatilho dos disparos que quase vitimaram letalmente o Dr. Romério Almeida recentemente.

Parafraseando Bertolt Brecht, primeiro levam os "criminosos", mas você não se importa, porque não é criminoso. Depois levam você, mas já é tarde e ninguém se importa, afinal você não se importou com ninguém.

Leandro Vasques. Advogado criminal