Pescaria, o dia do peixe

Aquele amigo, como eu, gostava de pescar. Se há um entretenimento que enche a alma nas horas de folga e que faz esquecer, por momentos, as muitas atribulações do dia a dia, é uma proveitosa pescaria de caniço e linha.

O peixe, quando bem fisgado, fica, em vão, a debater-se num desesperado rodopio dentro d'água, enquanto o pescador vai forçando, devagarinho, o encontro com a vítima, até que a tem sob seu inteiro domínio em terra firme, ou dentro do barco. Se nesse esforço o peixe consegue libertar-se, ninguém lamenta, pois faz parte da empreitada, do mesmo modo que o caçador não deve queixar-se do tiro desperdiçado na caça não atingida pela falha de sua mira. Sorte do peixe e da caça. O amigo chegou no dia e hora marcados, conduzindo todos os apetrechos necessários ao regalo: caniços, linha, material de isca, anzóis e chumbadas de reserva, além de pequena churrasqueira, sal refinado, pequeno saco de carvão vegetal e alguns espetos de madeira. Não se esqueceu do melhor acompanhamento de tudo isso: um isopor com algumas latas de cerveja gelada.

Qual a razão da presença de churrasqueira, espetos, carvão e sal refinado? Muitos pescadores, e no grupo posso incluir-me, dão valor a um peixinho assado na hora para ser deglutido com saborosos goles de cerveja enquanto, de caniço em punho, aguardam a fisgada de outros que poderão ter o mesmo destino.

Em poucos momentos estávamos à margem da represa e não perdemos tempo em lançar n'água os artifícios de pesca. Como engodo do anzol, veio metade de um coração bovino, que em parte foi cortado em pequeninas fatias.

Os peixes, entretanto, não aprovaram a isca e nenhum se aventurou a devorá-la. Certamente não era o material adequado para a espécie que dominava o modesto lago artificial.

Depois de cerca de duas horas de frustradas tentativas, desistimos da tarefa. Nem mesmo um simples exemplar das outras poucas espécies que o açude comportava, nos ferrou o anzol. O dia era do peixe e não do pescador, como, no anexim sertanejo, um dia é da caça e outro do pescador.

Para tornar menos decepcionante o fracasso da jornada, levamos à churrasqueira, que há muito ardia, o resto do coração bovino e o devoramos como tira-gosto da cerveja que continuava gelada ao agrado de qualquer exigente paladar.

Crescêncio Marinho de Pinho. Escritor