Paradoxo judicial

A Justiça comum era assoberbada de processos, inclusive dos de pouco valor. A demora era a sua grande inimiga. Havia necessidade de uma justiça simples e rápida. Daí nasceram os Juizados Especiais Estaduais e Federais (Leis 9.099/95 e 10.259/01). Nos Estaduais, cabe ajuizar ação sem advogado, se o valor da causa for até 20 Salários Mínimos (SM); a partir daí, até 40 SM, é obrigatória a presença dele; há só três instâncias: juiz, Turma Recursal local e STF.

Se o Juiz ou a Turma Recursal resolverem interpretar mal essa Lei, você terá o direito sepultado, por impossível ir ao STF, em face da "repercussão geral". Em 1995, foi um sucesso, iniciando os Juizados Estaduais com simplicidade, rapidez, sem formalidades ou exigências desarrazoadas, com juízes de perfil para aplicar a iralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, sempre buscando a conciliação e a transação (art.2º). Na Lei 9.099 não há o princípio da "pessoalidade", com a obrigação da presença física das partes, nas causas de valores acima de 20 a até 40 SM.

Após os "Enunciados do Fonaje", que não são de aplicação obrigatória, e o verdadeiro Juiz não deve se prestar a ser um mero "boca da lei" ou "de enunciados", têm ocorrido interpretações inexplicáveis. Exemplo absurdo está na aplicação, pela maioria dos juízes, do Enunciado 20", que diz que a " parte que não comparecer às audiências terá seu processo extinto sem mérito e condenada a pagar custas". Numa causa acima de 20 SM e até 40 SM, nos Juizados Estaduais, a autora que não pode comparecer à audiência e outorga poderes especiais ao seu advogado, não é possível aceitar que esse profissional seja ilegal e abusivamente impedido de exercer o seu direito de conciliar, por parte do conciliador (não formado em Direito), quando isso constitui crime de abuso de autoridade (art.1º "j"da Lei 4.898/65).

E o pior: a autora termina apenada pelo juiz, com a extinção do processo sem julgamento de mérito, tendo de pagar R$ 2.500,00 para interpor recurso inominado. É por esse tipo de negação de justiça, que há críticas ao Judiciário, de se mostrar insensível e inacessível às pessoas humildes e seus advogados. A justa interpretação do art.51, I, da Lei 9.099 c/c Enunciado 20, do Fonaje, é unicamente para a promoção de ação, sem advogado, ou seja, de até 20 SM.

Jamais com advogado, com poderes especiais para transigir, em causa acima de 20 SM, onde a presença dele é obrigatória (artigo 9º). Por isso, os advogados estão dando às suas causas valores acima de 40 SM, fugindo dos Juizados Estaduais, e ajuizando suas ações na justiça comum, que volta a ficar assoberbada de processos.

Agapito Machado

Juiz Federal e professor da Unifor