Os amantes do chão

Sagrada liturgia. João Paulo II chegava, se ajoelhava, tirava o solidéu e beijava o solo daquela pátria que visitava. Não era teatro. Reverência sacra ao chão. Aos 30 anos, Karol era só no mundo, com sua Polônia. Dizia que o amor à terra é como o amor de mãe. Frederic Chopin carregava consigo um punhado de terra que trouxera da pátria das polonaises. Gonçalves Dias dizia: "as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá". Joseph Strauss encantou o mundo, fazendo mais belo os bosques de Viena. Fazendo o Danúbio Azul sussurrar com suas valsas maviosas. Ao deitar meus olhares sobre aqueles bosques encantadores, cada árvore era um sustenido, um bemol ou somente uma saudade. Giuseppe Verdi, devastado pela perda da amada, parecia que ia fenecer, brotou da alma o Va Pensiero. O pensamento livre. Hino de exaltação a Pátria, piu bella. Pensiero sull ali doirate, asas que ganham os céus da Pátria. Nas bordas da morte, Milão silenciosa. Ruas atapetadas para os cocheiros não perturbarem o sono do amante do chão. O chão evoca silêncio. Evoca saudade. Lembranças. Lupicínio Rodrigues, belo compositor gaúcho, convidado para morar em São Paulo, recusou a oferta. Lá não tinha o pôr do sol do Guaíba.

Neste maio, um grande amante do chão faria 90 anos. Filho de uma terra simples. Sem bosque. Sem Danúbio. Sem mar. Tornou-se um oceano de amor banhando o chão sagrado de Guanacés. Falo de uma pessoa empoeirada, não só de poesia, mas de Deus. José de Arimatéia Santos, presença constante, quando queremos falar em amorosidade. Em partilha. Ninguém fez mais pelos pobres daquela vila. La não tinha o Scala esplendoroso, nem ruas atapetadas, mas tinha acima de tudo um filho que amava seus irmãos. Se a terra é mãe, poucos como Ari a amaram tanto. Soube levar sua tarefa até as portas do anoitecer. E, quando o crepúsculo da vida bateu, não amainou sua esperança. Não declinou do seu amor. Tinha fé na melhora do mundo. Ari não foi sepultado. Foi semeado, para fazer florescer a bondade. Fazer perdurar as amizades. Brotar amor. Fincou bondade em nós. Ari é a parte mais divina do leite humano. Celebramos o seu 5 de maio, somos felizes de ter caminhado tão próximo a pessoa tão bela. Abraço D. Izolete e a família que não se cansaram da estrada. Como no evangelho de Lucas, tenho certeza que Deus visitou o seu povo.

José Maria Bonfim de Morais. Médico cardiologista