Os absurdos do literalismo

O elemento literal é de fundamental importância na interpretação de textos, entretanto, outros elementos são igualmente importantes, caso do contextual, pois não podemos ignorar que a interpretação na qual seja considerado exclusivamente o elemento literal, pode conduzir a verdadeiros absurdos, como demonstram os exemplos que vamos abordar.

Em primeiro lugar nos referimos a um exemplo situado na área jurídica. É o caso da expressão fora do prazo. Chegou a ser adotada em decisão judicial, inclusive em decisão de um importante tribunal brasileiro, a tese segundo a qual o recurso interposto antes de iniciado o prazo legal para esse fim seria intempestivo. Era a interpretação literal da expressão fora do prazo, pois na verdade um recurso interposto antes de iniciado o prazo para recurso está fora do prazo, mas é evidente que esse recurso não pode, por ter sido interposto antes de iniciado o prazo, deixar de ser recebido. E por isto mesmo o Superior Tribunal de Justiça já decidiu ser tempestivo o recurso oferecido antes da intimação do ato recorrido (STJ, 2ª Turma, AgRg no Agravo de Instrumento nº 655.610-MG, julgado em 05/04/2005, Revista Dialética de Direito Processual, outubro de 2005, nº 31, págs. 154/156). Na verdade, é um absurdo a interpretação literal neste caso. Um recurso interposto antes de iniciado o prazo está fora do prazo, mas o elemento literal dessa expressão não pode prevalecer.

Poderíamos citar outros exemplos de interpretação literal que produziram decisões judiciais verdadeiramente absurdas, mas preferimos apenas sugerir, aos que eventualmente se interessem pelo assunto, a leitura de Marco Aurélio Greco ("Planejamento Tributário", editora Dialética, São Paulo, 2004, págs. 421 e 422).

Um exemplo muito fácil de se entender diz respeito à expressão direito ao silêncio. Embora em sentido literal essa expressão signifique o direito de estar em ambiente sem poluição sonora, na verdade o significado aceito por todos dessa expressão é o direito de permanecer calado, vale dizer, o direito de não se autoacusar.

Finalmente, um exemplo grotesco, risível, é o do hospede de um hotel de luxo que ia para a piscina de calção e foi advertido pela recepcionista de que não era permitido estar ali de calção, em face do que tirou o calção e entregou a ela dizendo que assim não estava desobedecendo à citada proibição. E literalmente era verdade, pois já não estava de calção. E como a recepcionista sentiu-se afrontada e chamou um segurança, o hóspede explicou: "Moça, estou vindo de uma praia de nudismo, e lá, estando eu de calção, fui advertido e me mostraram uma placa na qual estava escrito que era proibido estar ali de calção. Tirei o calção e tudo ficou resolvido".

A rigor, embora seja da maior importância, o elemento literal deve ser visto com o necessário cuidado, pois a interpretação simplesmente literal pode conduzir a verdadeiros absurdos, como os aqui mencionados.


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