O ovo da serpente

Agora mulheres! Pra não dizer que não falei das flores, ei-las, imoladas no Rio de Janeiro, na guerra entre dois poderes: o oficial e o do crime organizado. Ironicamente, logo após o 8 de Março, dia que a ONU dedicou à mulher, três delas foram alvo de balas perdidas, duas fatalmente. Agora, o assassinato vil da vereadora Marielle Franco, desta vez, por balas precisamente direcionadas, numa execução que atingiu cada uma e todas as mulheres de um País ainda patriarcal, machista e contraditório, que pranteou sua morte, mas que pouco valoriza a presença da mulher na política e em cumes sociais. Esqueça-se a ideologia que fez de Marielle uma liderança em prol dos direitos humanos e de minorias, numa cidade que a elegeu com 46.502 votos para seu primeiro mandato popular. O que vale é sua presença nas agruras de um Rio cansado de guerra, refém de organizações criminosas e não falo só do tráfico. Marielle presente. O bordão diz muito, mas é paradoxal. Marielle foi contra a intervenção no Rio, mas outra presença marcante poderia ter-lhe poupado a vida: o poder de Polícia ainda ausente nas tropas federais. Mesmo na situação emergencial e caótica do Rio, as Forças Armadas continuam sem poder para investigar, buscar apreender e mesmo prender, exceto em flagrante delito, limitando-se a patrulhar, apoiar e reagir quando alvejados! É o ovo da serpente cujo espectro já se vislumbra como alerta da bandidagem: começamos a executar membros do Legislativo; chegará a vez do Executivo e do Judiciário. Marielle poderia estar mais presente, se esse poder de Polícia não estivesse ausente. Viver é que é prioridade.

Eduardo Gibson Martins. Juiz de Direito