Lei 13.254/16: Prêmio aos desonestos

Agapito Machado

Juiz Federal

Sob o título "Projeto de Repatriação" (publicado no Diário do Nordeste, de 06.12.2015), procuramos chamar a atenção de que o Projeto de Lei que tramitava no Senado Nº 186, descendente do Projeto de Lei Nº 2.960/2015 da Câmara, ensejaria um prêmio aos desonestos, em prejuízo do cidadão que trabalha arduamente e tem os seus ganhos honestamente. Não teve jeito. O Congresso Nacional o aprovou e a president"a" da República o sancionou transformando-o na Lei Nº 13.254, de 13 de janeiro de 2016, que institui o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT).

Vários são os desatinos dessa recente Lei. Ela contempla anistia pelos crimes de evasão de divisas e conexos, extinguindo a punibilidade dos crimes previstos no artigo 1º e nos incisos I, II e V do artigo 2º da Lei Nº 8.137/90; na Lei Nº 4.729, de 14 de julho de 1965; nos artigos 337-A, 297; 298; 299; 304, do Código Penal; no caput e no parágrafo único do artigo 22 da Lei Nº 7.492, de 16 de junho de 1986; no artigo 1º da Lei Nº 9.613/98, quando o objeto do crime for bem, direito ou valor proveniente, direta ou indiretamente, dos crimes previstos nos incisos I a VI.

A president"a" vetou dispositivo que previa a não aplicação da norma aos condenados em ação penal com trânsito em julgado, no que todos, indistintamente, poderão beneficiar-se do novo texto, inclusive os alojados nos presídios da Papuda e de Curitiba.

Ainda bem que foi vetada a possibilidade de repatriar em espécie, jóias, obras de arte e antiguidades (imagine-se a dificuldade em avaliação confiável). Quem quiser que transforme esse patrimônio em ativo financeiro. Ela também vetou, até porque seria o cúmulo do absurdo, a possibilidade de repatriar em nome próprio, patrimônio declarado em nome de "laranja".

No plano financeiro, sem a lei em comento, o sonegador pagaria até 225% do valor do patrimônio repatriado ou justificado.

Com a nova lei, o corrupto, sonegador, desonesto pagará (teoricamente) apenas 15% de Imposto de Renda e mais 15% de multa, isso pelo valor do dólar cotado em 31 de dezembro de 2014, ou seja R$ 2,66 (dois reais e sessenta e seis centavos).

A aritmética é mais exata que os argumentos jurídicos.

Supondo-se que determinado cidadão brasileiro mantenha patrimônio (ativo financeiro) não declarado em algum paraíso fiscal, no valor equivalente a US$ 10 milhões. Então, pela nova Lei: US$ 10 milhões x 2,66 = R$ 26,6 milhões.

Tributação (15% + 15%) = 30% = R$ 7.980.000,00 para gozar de anistia fiscal, administrativa e criminal. Ocorre que, no mercado financeiro (dólar cotado a R$ 3,99), esse patrimônio até então oculto vale hoje, em verdade: US$10 milhões x R$ 3,99 = R$ 39,9 milhões. O sonegador pagará R$ 7.980.000,00 em tributos à Receita Federal, no Brasil, e manterá em seu patrimônio, agora legalizado, o equivalente a R$ 31.920.000,00.

Resultado: possuía um patrimônio oculto de US$ 10 milhões no exterior; pagou em tributos o equivalente a US$ 2 milhões à Receita Federal no Brasil (R$ 7.980.000,00 / R$ 3,99). Destarte, regularizou mediante anistia fiscal, administrativa e penal o saldo equivalente a US$ 8 milhões, incluindo em seu patrimônio declarado no Brasil o valor de R$ 31.920.000,00. Isso demonstra que a tributação prevista na Lei 13.254/16 representa, de fato, apenas 20% do ativo financeiro repatriado pelo sonegador. Nós, simples assalariados e sem a mínima chance de sonegar, porque o desconto se opera na fonte (na nossa folha de pagamento), pagamos 27,5% de Imposto de Renda incidentes sobre nossos proventos, vencimentos ou subsídios.

De outro lado, fica a Receita Federal, injusta e ilegalmente, notificando meros assalariados, não criminosos, não sonegadores, não corruptos, não desonestos, para pagarem quantias insignificantes e o pior, tributando verbas que pela lei e Constituição são consideradas casos de não incidência, confundindo-as grosseiramente com isenção.

O justo (assalariado, honesto) está pagando pelo pecador (criminosos) sonegadores, corruptos, desonestos). Que País justo e democrata é esse nosso Brasil?