Juiz 'boca de lei'

O verdadeiro juiz, de quem precisam os jurisdicionados, é aquele que cumpre a Constituição e as leis constitucionais. As inconstitucionais ele deve rejeitar, já que não deve ser um subserviente/mero "boca da lei".

Todavia, conforme art. 927 do CPC, está obrigado a observar as decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade; os enunciados de súmula vinculante; os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; os enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional e do STJ em matéria infraconstitucional; a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiver vinculado.

Como se não bastasse tanta restrição à independência do Juiz de 1º grau, que assume o cargo pela via de rigoroso concurso público, ainda há quem aplique, fora de uma interpretação razoável/inusitada, enunciados. São os chamados juízes "boca de enunciados".

Um exemplo absurdo está na equivocada interpretação, por alguns Juízes dos Juizados Estaduais do Enunciado 20, do Fonaje "se a parte que não comparecer às audiências, terá seu processo extinto sem mérito e condenada a pagar custas".

Não é possível aceitar que numa causa de valor superior a 20 e até 40 SM, nos Juizados Estaduais, onde é obrigatória a presença do advogado, a autora que não pode, justificadamente, comparecer à audiência, mas outorgue ao seu advogado, poderes especiais, esse advogado seja ilegal e abusivamente impedido de exercer o seu direito de conciliar, por parte da Conciliadora (sequer formada em Direito), o que, inclusive, constitui crime de abuso de autoridade (art.1º "j" da Lei 4.898 de 65). E o pior: a autora ainda é apenada pelo Juiz, "por ato da Conciliadora", com a extinção do processo sem julgamento de mérito, tendo de pagar vultosa importância, para interpor recurso à Turma Recursal. Tais Juízes estão afastando as partes dos Juizados, destruindo esse microssistema que veio para desburocratizar a Justiça e facilitar a vida de pessoas carentes (hipossuficientes).

Por isso, os próprios advogados estão retornando a ajuizar suas causas envolvendo danos, na Justiça Comum/morosa, simplesmente indicando o valor acima do teto de 40 SM, o que, a priori, o Juiz Comum não pode simplesmente recusar e devolver a causa aos juizados, afirmando que o valor deve ser abaixo desse teto, porque estaria se julgando incompetente e paradoxalmente estimando o valor da indenização por danos pedidos pela parte.

Se, mesmo assim, arriscar ajuizar sua causa no próprio Juizado Estadual, para fugir apenas daquele Juiz "boca de enunciados", a parte/advogado poderá escolher o Juizado do seu domicílio (art.9º III, Lei 9.099) ou do domicílio do réu (art.9º, I), o que já constitui um paradoxo a pessoa fugir do Juiz, quando deve fugir mesmo é dos bandidos.

AGAPITO MACHADO
Juiz Federal e professorda Unifor