Intolerância em rede

O fenômeno social da completa ausência de disposição em aceitar o diferente, inadmitindo pontos de vista contrários à sua opinião, ideologia ou pensamento, tem se agravado muito.

É comum nas redes sociais o trânsito de manifestações contrárias aos direitos humanos, a circulação de mensagens de ações discriminatórias, incitações ao ódio e, mais grave ainda, auxiliadas pelos fake news. Isso não é outra coisa senão formas primárias que caracterizam falta de equilíbrio e civilidade, afastando a "discordância pacífica" ou a "contrariedade respeitosa", comprometendo a convivência sadia, exercício da cidadania e o próprio exercício democrático.

Normalmente, tudo começa com a criação de um grupo, uma legião de conhecidos, amigos e companheiros que serão encontrados mutuamente no mundo digital, por simples associação somada a outros amigos. Logo, o cidadão-internauta está inserido numa comunidade.

Desse modo, gente que fazia anos que não se encontrava, agora se liga, interage e compartilha em comunidade que, por sua vez, por laços digitais, se ligam também a outras comunidades distantes, mas globalizadas, numa forma de que o individuo, embora a rede não lhe pertença, passa a pertencer a uma comunidade em rede.

É ocioso dizer que todas essas relações não são feitas face a face e, assim, desaparece a identidade, mas quando as ideias são confrontadas, o rosto reaparece. Nesse movimento, muitas vezes torna-se mais fácil adicionar aquilo que converge ou excluir aquilo que o afasta, do que exercer as legítimas habilidades sociais, as relações sociais autênticas desenvolvidas nas ruas, no trabalho, no cotidiano, através de simples conversas.

Neste vazio, as redes são utilizadas não para unir, ampliar horizontes, mas serve para se fechar em zonas de conforto. Essa zona - locus em que o individuo escuta um único som que é o eco de sua própria voz, ou vê um único rosto que é o reflexo de sua própria cara - já constitui uma prática intolerante.

Outra forma é exercê-la mesmo através de postagens de autoria de outros internautas. Contraditoriamente, as redes foram criadas para que grupos de cientistas pudessem compartilhar suas ideias e assim comunicar com o mundo as inovações, as novas teses e os melhores avanços.

Aliás, as tecnologias de comunicação e informação cresceram com essas interações de ajuda e compartilhamento. Importante destacar: essas comunidades em redes são desiguais e abrigam uma grande diversidade em gênero, preferência política, opções religiosas dentre os mais diferentes estágios.

Daí, a intolerância passa a constituir reprodução, ao adicionar severos preconceitos, por sinal, muito facilitada, porque o ambiente digital é próprio para que cada um solte os seus demônios.

Noutras palavras, o mundo dos computadores é forma propícia para que os intolerantes se manifestem e ampliem o seu ódio ou preconceito, e que terão algum tipo de sigilo, ainda que apenas reproduza a postagem, compartilhando algo que diz não ser fonte, mas é exatamente como fonte e identidade sua que esse desvio deve ser responsabilizado.

Durval Aires Filho. Desembargador