Intolerância

Nos últimos tempos, a falta de aceitação do erro humano, ou, digamos assim, de um "mal" manifestado pela opinião do outro, tem sido uma epidemia junto às redes sociais. Hoje, o mundo digital virou uma arena de embates em diversos setores.

Nesta contenda, tornaram-se comuns os ataques, as ofensas verbais e, saindo do mundo virtual, vieram também as agressões físicas, como aconteceram recentemente em relação a um candidato presidencial, ultrapassando qualquer forma de convivência razoável, pacífica e democrática. O que devemos fazer? Primeiro, conhecer o problema, destacando logo de saída que todos nós somos intolerantes, em algum nível, porque temos ideias bem claras e consolidadas, juízos e opiniões a serem defendidas.

Não existem, por sua vez, entre os povos civilizados, nações completamente intolerantes ou abertamente benevolentes. Sempre esse fenômeno, cuja visibilidade tem sido maior hoje em dia, existiu, mas foi minorado pelo equilíbrio, vagueando entre o vício - intolerante virulento, de "carteirinha" -- e a virtude (intolerante discreto, silencioso, civilizado).

Afastando suas raízes que vêm desde a barbárie, passando pela escravidão e, mais recentemente, atravessando o racismo e o preconceito, observamos que a verdade particular de cada um possui um lado autossuficiente e uma forte tendência a impulsioná-la como forma de condenação implacável e arrogante.

Por isso, H.L. Mencken dizia que os cínicos eram frequentemente mais tolerantes e humanos, enquanto os fanáticos não tinham limites para a opressão. O problema maior é quando a intolerância munida da força da verdade se torna justicialista. Para Noberto Bobbio, no exato momento em que posso perseguir os outros em nome da verdade face ao erro, atribuo aos outros, sem desejar que isso aconteça, a mesma faculdade, ou o mesmo direito de me perseguirem. Conclui o filósofo: "hoje é você, amanhã a mim".

A aceitação do erro humano decorre de uma razão humana e cristã: respeito ao próximo. Nesta aceitação, devemos afastar momentaneamente a imposição da verdade como forma de condenação. Depois, ser posto no centro do ponto de vista do outro. Aqui, o conselho do filosofo Emanuel Mounier é extraordinário no sentido de "não me aproximar de alguém semelhante", com os mesmos propósitos, as mesmas ideias e reproduzi-las, acrescento.

Ou seja, fazer exatamente o oposto das redes sociais. Aconselha mais: "não conhecer o outro como um saber de caráter geral, mas abraçar a sua singularidade, num ato de aceitação e um esforço de aproximação".

Penso que a adoção de pelo menos três posturas possam evitar a intolerância. Primeiro: a alteridade na vocação de se colocar no lugar do outro, sem que isso signifique concordância. Segundo, a substituição da "imposição" pela "persuasão" (conversando todos se entendem) e, por fim, certa dose de neutralidade, alguma coisa semelhante ao laicismo, como programa genérico que, aliás, foi aceito por todas as religiões, pois caso contrário a grande maioria das igrejas experimentariam diversos conflitos.

Durval Aires Filho
Desembargador