Impunidade é a principal responsável por corrupção

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O advogado e jornalista Osmar Alves de Melo, filho de Iguatu, está com seu mais novo livro, "Corrupção: fonte de injustiça e impunidade", na praça. Em meio a escândalos na Capital Federal e com a chegada de mais uma ano eleitoral, o momento não poderia ser mais propício. Para o autor, só o fim do foro privilegiado e uma reforma política e no Judiciário podem dar início ao processo de punição dos corruptos - nos três poderes

Professor, na sua opinião, a marca dos escândalos brasileiros é a impunidade?

Se não houvesse impunidade, se todos os criminosos do colarinho branco fossem punidos como os criminosos comuns, na sua maioria, os escândalos brasileiros seriam reduzidos drasticamente. A impunidade é, portanto, a responsável principal pela corrupção no Brasil. A impunidade apresenta-se sob diversas foras. Uma delas é submeter determinadas pessoas, em razão das funções exercidas no Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), a um tribunal que não foi concebido para processar e julgar ações ordinárias, ou seja, submete-las a um foro privilegiado, capaz de não julga-las em hipótese alguma e possibilitar safarem-se pela porta larga da prescrição.

Quem são essas pessoas, em que instância elas se encontram e como elas agem?

Os grandes criminosos do colarinho branco, os contrabandistas, os fraudadores de licitações, os assaltantes dos cofres públicos (não os pés de chinelo, que assaltam quebrando a fechadura do caixa, mas os que abrem as portas do tesouro por meio de astúcias, desviando o dinheiro do patrimônio público para seu patrimônio particular), os sonegadores, os lavadores de dinheiro ilícito obtido em negócios clandestinos, todos eles sonham com um foro privilegiado. Muitos deles acobertam-se com um mandato parlamentar. Outros, por sua vez, com um título de juiz usado para vender decisões judiciais. Outros ainda encastelam-se em cargos de presidente, de governador, de prefeito. Muitos obtêm nomeação para Ministros de Estados, Secretários de Estados e outros cargos que lhe garantam o mínimo de tranquilidade para cevar-se de propinas e de outras formas de roubalheiras. No DF, um tempo atrás, um Secretário de Estado tentou mudar para seu patrimônio particular o Clube do Servidor Público do Distrito Federal e, nos fins da semana, tornaram-se famosos seus churrascos para jovens da elite da cidade, com carnes doadas a entidades assistenciais de menores abandonados ou carentes.

A impunidade está incentivando os corruptos a agirem com mais desenvoltura?

A impunidade é um estímulo à corrupção que se tornou intolerável em todas as esferas da República, na União nos Estados e nos Municípios, em fundações, nas autarquias e nas sociedades de economia mista. O resultado das licitações, quase sempre, é conhecido previamente. Isso acontece porque não é raro as empresas participantes combinarem antecipadamente o custo dos serviços ou das obras públicas.

Qual o resultado desse processo para os serviços prestados à população em geral?

Invariavelmente, ao final, todos os participantes se beneficiam da concorrência, recebendo, cada um, sua parte do vencedor. Por isso é que as obras públicas são tão caras. Quando o escândalo vem à tona, o Ministério Público, a Polícia Federal (PF), o Tribunal de Contas da União (TCU), a Corregedoria Geral da União (CGU) apuram os fatos delituosos, tipificam os crimes cometidos, indiciam e denunciam os responsáveis, que são normalmente empresários e servidores públicos. Frequentemente, os juízes de primeiro grau sentenciam primeiro decretando prisões temporárias ou preventivas que, na sua maioria absoluta, são tornadas sem efeitos. Isso acontece sobretudo nos tribunais superiores e, em última instância, no Supremo Tribunal Federal (STF) ou n o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ou seja, conforme o antigo ditado popular, mais atual do que nunca, a Justiça prende, e o Judiciário solta.

Na sua opinião, quem é o grande responsável por esse comportamento?

O grande responsável por este comportamento, em última instância, são a ausência de leis específicas e mais claras e o próprio Poder Judiciário, que é responsável pela interpretação e pela aplicação das leis. Este tema tormentoso de atribuir ao Poder Judiciário a causa da impunidade, normalmente é evitado por advogados, já que o Judiciário, dentre os Três Poderes da República, deveria ser o bastião da moralidade, da dignidade e da decência da vida pública. Mas este tabu tem que ser enfrentado para que se faça, no País, uma verdadeira e profunda reforma do Poder Judiciário

A proximidade nas relações entre a iniciativa privada e o governo pode ser um dos pontos relevantes para a permanência da corrupção em Brasília?

Sem dúvida, a iniciativa privada tem presença marcante no Governo do Distrito Federal. É ela finalmente que levanta os fundos para as campanhas eleitorais. Esses fundos, por sua vez, são pagos não propriamente pelas empresas, mas pelo contribuinte. Isso acontece devido ao superfaturamento de preço das obras e dos serviços públicos em andamento.

O senhor acha que Brasília tem características que favorecem o comportamento impróprio dos políticos?

Brasília não é diferente da União, das demais unidades da Federação ou dos municípios. As práticas escandalosas de desvios de recursos públicos não são um privilégio de Brasília ou do Governo do Distrito Federal. Elas também ocorrem por quase toda parte. Mas, sendo Brasília a capital da República e que deveria servir de modelo político e administrativo ao resto do país, os escândalos ocorridos aqui tomam, normalmente, proporções muito maiores.

O que o senhor sugere para enfrentar essa situação ou, pelo menos, minimizá-la?

A primeira coisa a fazer é extinguir pura e simplesmente o foro privilegiado. Suas finalidades não têm qualquer sentido. Ele existe para punir ninguém, para procrastinar os processos, afim de que eles sejam alcançados pela prescrição ou pelo óbito dos denunciados e, assim, tornem-se inválidos ou ineficazes. Por outro lado, a legislação penal deve ser modificada prevendo a definição precisa desses crimes, como recomenda a Convenção Interamericana Contra a Corrupção. Também a legislação processual precisa ser alterada profundamente para eliminar a maior parte dos recursos existentes atualmente e para regulamentar de forma diferente do que diz súmula do Supremo Tribunal Federal (STF). Por essa norma, a prisão só pode ser cumprida depois do trânsito em julgado em última instância. Ou seja, nunca. Isso precisa ser modificado. A prisão deve começar a ser cumprida a partir da sentença do juiz de primeira instância e a sentença deve tornar-se definitiva a partir da decisão do tribunal de revisão, ou seja, do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Regional Federal. Outro fato importante: os recursos especial e extraordinário devem ter efeito meramente devolutivo, nunca efeito suspensivo como acontece atualmente, por força de jurisprudência, sem dúvida, equivocada. Impõe-se de maneira urgente, portanto, para enfrentar esta situação, a punição rigorosa de todos os culpados.

Na sua avaliação, a corrupção no Poder Judiciário é contida ou pode-se dizer que é escancarada tanto quanto no Executivo, que atrai mais atenção em se tratando desse tema?

O Poder Judiciário, infelizmente, não está fora das práticas de corrupção. O que existe são algumas diferenças. No Judiciário, ela se processa de modo diferente apenas quanto à forma de o juiz receber os mimos e as vantagens financeiras imorais. No âmbito do Poder Judiciário essas práticas são mais sutis e cautelosas, menos visíveis, mais discretas. Todavia, é espantoso o número de juizes de primeira instância, de segunda instância e do próprio Superior Tribunal de Justiça que são processados por corrupção.

O governador e o vice do Distrito Federal estão envolvidos em recente escândalo de corrupção. Muitos deputados distritais também sujaram as mãos na lama. Será que os eleitores de Brasília estão suficientemente maduros para puni-los na próxima eleição, votando em outros candidatos e, assim, procurando reverter a situação?

Em sua grande maioria, o eleitor brasileiro ainda não pune com rigor os homens públicos acusados de desvio de função ou de corrupção. Há vários fatores envolvidos nesse processo. Provavelmente isso decorre, em parte, da falta de informação e da abundância de propaganda daqueles que se assenhoreiam de recursos públicos. O que está faltando é uma reforma política inteligente que deixe todos os candidatos em pé de igualdade e que o eleitor perceba isso e leve esse resultado para as eleições. Mas, como se observa, a reforma política é sempre adiada.

A que o senhor atribui a ocorrência dessas dificuldades?

O que se sabe é que dar início e prosseguimento a essa iniciativa não interessa àqueles que se elegem de acordo com a legislação atual. Portanto, essa é uma falha que vamos continuar levando e arcando com as consequências. Enquanto não houver uma mudança profunda e sedimentada nessa área, as dificuldades vão continuar e vai permanecer sendo complicado e difícil se falar em combate à corrupção. De certa maneira, quem está envolvido, inclusive nos escândalos, se sente protegido pelo foro privilegiado. Essas pessoas também se sentem protegidas até pelo eleitor que, em ano eleitoral e em meio às campanhas, não costuma se lembrar do passado dos políticos na hora de exercer seu direito ao voto. O resultado não pode ser diferente, enquanto o ritmo for esse, da impunidade.


FIQUE POR DENTRO
Quem é Osmar

Como jornalista, trabalhou na imprensa do Ceará, no Rio de Janeiro eemBrasília. É político, destacado advogado, aposentado como Procurador da Fazenda Nacional, foi secretário de Estado de Serviços Sociais do Distrito Federal, Corregedor da Advocacia Geral da União (AGU), exerceu também em várias gestões a função de Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Integrou o quadro de fundadores doPMDB,ao lado de políticos como Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Seixas Dória, Wilson Martins, Luciano Coutinho, Pedro Gondim e Mangabeira Unger. Osmar Alves de Melo foi ainda indicado em lista tríplice ao
presidente Tancredo Neves para exercer o cargo de governador do Distrito Federal. Seu desligamento do partido foi quando percebeu que a luta pela redemocratização passou a ser a luta do “poder pelo poder”.O advogado tem 70anos e é membro do Conselho de Ética da OABe também é presidente da Fundação de Assistência Judiciária que a entidade mantém no Distrito Federal. Como escritor, é autor de vários livros publicados, destacando-se o “Inconfidências”,em que narra fatos reais da sua trajetória pessoal, política e profissional. Seu mais recente trabalho, que acaba de ser lançado em Brasília, é “Corrupção: fonte de injustiça e impunidade”. Sempre houve críticas ao mau funcionamento do Poder Judiciário no Brasil. No livro, o autor trata da impunidade como responsável pelos escândalos,comoo que ocorre atualmenteemBrasília e ganha as páginas dos jornaissem solução aparente.


Wilson Ibiapina
Sucursal Brasília