Escalada da desnutrição

Pelo terceiro ano consecutivo, a fome avançou no mundo, segundo o mais recente relatório apresentado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Conforme o levantamento, um em cada nove habitantes do Planeta foi considerado desnutrido no ano passado, o que corresponde a aproximadamente 821 milhões de indivíduos. O estudo revela os reflexos de conflitos sociais, crises econômicas e bruscas mudanças climáticas. Também aponta o abismo para se cumprir o compromisso assinado em 2012 por 170 nações, para erradicar tal mazela até 2030.

O relatório aponta estagnação no combate ao problema no Brasil. Em 2017, existiam "menos de 5,2 milhões" de desnutridos. Nos três anos anteriores, o estudo mostrou que havia "menos de 5,1 milhões" nessa condição. Os altos indicadores sobre desemprego e as dificuldades dos trabalhadores despedidos retornarem ao mercado de trabalho explicam parte dos obstáculos em atingir melhores resultados no enfrentamento à fome. De acordo com o IBGE, 24% dos cerca de 13 milhões de desempregados procuram nova oportunidade há mais de dois anos. Isso representa 3,16 milhões de pessoas, o número mais alto desde o início da série histórica há seis anos.

Alimentar-se adequadamente, sem emprego e com o elevado custo dos alimentos, pressionados pela alta do dólar, torna-se tarefa cada vez mais difícil. Outros fatores agravantes são os efeitos da seca. O número de desnutridos tende a ser maior em nações em que as condições extremas de clima são rotineiras. Sobretudo quando as atividades da agricultura não conseguem manter a produtividade em meio a constantes variações de temperatura e padrões de chuva. No Brasil, a estiagem já trouxe incalculáveis prejuízos às lavouras, reduziu a colheita e reverberou na mesa do consumidor.

Para 2019, as perspectivas são desanimadoras, pois há a tendência de se repetir a ocorrência do fenômeno conhecido como El Niño. Ele provoca o aquecimento anormal das águas do Pacífico na costa litorânea do Peru e contribui para queda de precipitações no Nordeste.

O relatório da ONU ainda inclui o Brasil entre os 51 países mais suscetíveis à desnutrição. O estudo o coloca ao lado da Etiópia, Indonésia e outras nações da Ásia central e leste africano para lembrar que elas têm um ponto em comum: todas suportam, por três ou mais anos, temperaturas máximas extremas, que têm ocorrido com maior frequência.

O Brasil é um dos 170 países signatários do documento em que se comprometem a erradicar a fome até 2030. Em razão das dificuldades para atingir as metas, o governo brasileiro anunciou recentemente que irá apresentar às Nações Unidas ajustes dos objetivos. Uma das alterações propostas é diminuir de 7% ao ano, para o intervalo entre 2,55% e 3%, a expectativa de alta do PIB "per capita" nos próximos 12 anos.

O cenário mais estarrecedor apresentado é o número de crianças afetadas pelo avanço da fome. Ao todo, são 151 milhões de jovens, na faixa etária inferior a 5 anos, que estão abaixo da altura para a idade devido à desnutrição. Tal realidade causa preocupação por deixar sequelas em outras etapas da vida.

Além de consequências físicas, as falhas na alimentação também produzem danos psicológicos, prejudicam a evolução cognitiva e atrapalham o desempenho na escola e até no trabalho, quando tais vítimas chegam à fase adulta. É inadmissível que o mundo, embora tenha conquistado progressos tecnológicos e avançado em diferentes áreas, carregue uma mazela que se arrasta há séculos.