Ensaio do pecado

Toda época é caracterizada por um pensamento ou ideia preponderante. Impossível não nos lembrarmos da década de 1960, para não a associarmos à ideia de liberdade. Talvez em contraponto à década imediatamente anterior, cuja doutrina macartista, inspirada na ação política do senador norte americano Joseph MaCarthy, impunha severas restrições à liberdade quer individual ou coletiva. Mesmo no Brasil, com o período de excepcionalidade pela tomada de poder pelos militares suprimindo liberdades, as ideias libertárias da época influenciaram profundamente à retomada da normalidade institucional. Ouvindo uma de minhas playlists , deparei-me com a música de Ney Matogrosso, de quem sou fã de carteirinha, "Não existe pecado ao Sul do Equador". Felizmente, ele está errado. Nada é mais democrático do que a ideia do pecado. Você pode concordar ou não, mas atribuir restrições de forma semelhante a todos os estamentos sociais é algo que beira o revolucionário.

Recentemente, assisti ao seriado Versailles, que tem uma cena emblemática. Um bispo tenta convencer o rei sol, Luís XIV, da França, de que sua conduta moral, pecaminosa aos olhos do prelado, deveria ser abrandada para padrões digamos mais canonicamente toleráveis. Um grande risco à época absolutista em que viviam tal abordagem do religioso. Felizmente não vivenciamos os horrores das práticas aristocráticas absolutistas em terras brasileiras. A prevalecer ideia contida na letra da música do Ney, seria a introdução extemporânea entre nós da ideia de que a "elite" estaria isenta da responsabilidade de busca da virtude.

Ricardo Augusto Dourado

Pós-graduado em Administração