Emergência nacional

A proporção de assassinatos por 100 mil habitantes superou, pela primeira vez, a marca de 30, segundo o Atlas da Violência 2018. O levantamento publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Ipea mais uma vez se revela alarmante, ao retratar o saldo catastrófico do ponto de vista social deixado pelo ambiente de selvageria alimentado com o fortalecimento das facções criminosas.

A demora do governo federal em capitanear as medidas para enfrentar a violência, tendo em mão um planejamento criterioso, culminou na expansão em escala nacional da taxa de homicídios. Aliás, sobrecarregou os estados, os quais se tornaram, em face de não disporem de recursos nem meios para empreender combate eficaz ao problema, reféns da atuação interestadual de quadrilhas movidas pelo tráfico de drogas e armas.

Conforme as informações compiladas no Atlas da Violência, entre 2006 e 2016, 553 mil pessoas foram assassinadas. No estudo, para ressaltar a dimensão do número, estabeleceu-se uma comparação com a situação na Síria, país árabe que, nos últimos sete anos, enfrenta conflito armado interno culpado pela morte de aproximadamente 500 mil pessoas, de acordo com estimativas da ONU (Organização das Nações Unidas).

Outra constatação preocupante, trazida à luz com a divulgação do documento, é o extermínio de jovens. Eles são os principais alvos da ascensão das facções e da escalada da violência. Das 553 mil pessoas assassinadas, 325 mil tinham entre 15 e 29 anos. O pico das mortes registradas nesse grupo etário é cada vez mais prematuro. Em 1980, a maioria das vítimas tinham 25 anos. No último balanço, recuou para 21 anos.

Em geral, o perfil das vítimas nessa faixa etária é semelhante e demonstra como as gerações são desperdiçadas em decorrência da passividade do poder público. A maioria cresceu num cenário carente de serviços básicos, submetida a condições insalubres de moradia, sem acesso a escola de qualidade, sem atendimento médico nas unidades de saúde e com estrutura familiar debilitada. Diante da escassez de oportunidades, foi enganada pela ilusão de haver, no crime, a única oportunidade de ascensão social.

Para controlar os dados sobre homicídios, é relevante também desenvolver estratégia na segurança das fronteiras, território que abrange aproximadamente 17 mil quilômetros e 588 municípios. O intenso fluxo de substâncias ilícitas e armas nas fronteiras é o maior sustentáculo do crime organizado. No entanto, a Polícia Federal já reconheceu, por diversas vezes, as dificuldades orçamentárias e técnicas para realizar a fiscalização e a repressão de modo mais eficiente.

O funcionamento do Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), a partir de 2013, melhorou o controle das fronteiras, mas não foi suficiente para atender a todas as necessidades operacionais, as quais aumentam em ritmo acelerado pela multiplicação das ações criminosas do tráfego de drogas. O sistema foi concebido para processar o fluxo de informações entre as forças policiais, baseando-se na utilização de modernos recursos tecnológicos, como a instalação de sensores com sinais eletromagnéticos e de radares de vigilância.

É desnecessário aguardar novos levantamentos sobre os assassinatos no País para perceber que a carnificina que se alastra por todas as unidades da Federação se transformou em emergência nacional e requer rapidez na implantação de projetos objetivos que não se apoiam em planejamentos simplórios com soluções de alcance limitado.