Editorial: Um mal antigo persiste

O combate às doenças sexualmente transmissíveis (DST) encontra resistência no tabu que as cerca. A desinformação é um catalisador de sua disseminação e faz com que muitas pessoas afligidas por alguma enfermidade do gênero deixem de procurar os tratamentos adequados ou de segui-los corretamente. Isso se dá mesmo com um mal tão antigo como o da sífilis.

De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a sífilis afeta mais de 12 milhões de pessoas em todo o mundo. Apesar da existência de tratamento e da possibilidade de cura, sua erradicação é um desafio global para todos os sistemas nacionais de saúde. Menos comentada do que outras DSTs, caso da Aids e da Hepatite C, ela é uma doença também grave. Contudo, quando corretamente tratada, pode ser curada em 98% dos casos.

A informação tem sido uma das principais armas do Ministério da Saúde na tentativa de enfrentar o problema da sífilis no Brasil. A Pasta lançou uma campanha nacional, que pode ser vista nas ruas do País. A preocupação é justificada. Atualmente, como documentado no mais recente Boletim Epidemiológico de Sífilis, divulgado no fim de novembro, o País vive uma epidemia da doença, com um aumento substancial de casos diagnosticados. Se não for tratada com antecedência, a doença pode resultar em danos cerebrais irreversíveis e levar o paciente à morte.

Em um ano, a taxa de detecção da sífilis adquirida - aquela que é transmitida por meio do ato sexual ou do contato com o sangue infectado - passou de 44,1 casos para cada 100 mil habitantes para 58,1 casos/100 mil habitantes. O crescimento foi de 31,8%. No mesmo período, também se observou um aumento de 28,5% na taxa de detecção em gestantes e de 16,4% de sífilis congênita.

No ano passado, 119.800 casos foram notificados no Brasil. O problema é mais grave na região Sudeste, que concentra o maior número de casos do País, com 61.745 notificações (51,5% do total). Na sequência, vem a região Sul, com 29.169 (24,3%); o Nordeste, com 15.295 (12,8%); o Centro-Oeste, com 7.701 (6,4%); e o Norte, 5.890 (4,9%). A maior parte dos casos é registrada em indivíduos entre os 15 e 29 anos, com baixa escolaridade - o que reforça a hipótese de que a falta de informação tem um papel fundamental na proliferação da doença.

Só em 2017, o Sistema Único de Saúde (SUS) gastou mais de R$ 11 milhões com procedimentos médicos relacionados a infecções sexualmente transmissíveis (IST). Um número significativo das internações estava relacionado à sífilis adquirida e à sífilis congênita.

Antiguíssima, a doença tem origens que remontam à pré-história. Hipócrates, o pai da Medicina na Grécia Antiga, teria falado desse mal 600 anos antes de Cristo. Por séculos, foi associada ao pecado e vista como um castigo divino. A sífilis era então uma sentença de morte, ao cabo de uma temporada dolorosa, agravada pela reprovação social.

Não havia antes a facilidade dos métodos capazes de identificar a sífilis e tratá-la adequadamente. O tratamento, a base de aplicações semanais de penicilina, e o teste para diagnóstico da doença são distribuídos pela rede pública. O avanço da ciência e a informação são conquistas que precisam ser partilhadas, para deixar males do tipo no passado.


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