Editorial: Sobre a justa medida

A população carcerária brasileira é estimada em 750 mil pessoas, alocadas em unidades prisionais mantidas pelos estados ou pelo Governo Federal. O número, levantado pela Pastoral Carcerária, coloca o País na terceira posição, no mundo, em quantidade de indivíduos privados de liberdade. Prendem mais que o Brasil apenas a China, com 1,6 milhão de encarcerados, e os Estados Unidos, com 2,1 milhões.

Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), cuja última edição é de 2016, em 10 anos, a quantidade de pessoas presas no Brasil quase dobrou. Ainda que tenham sido feitos investimentos, federais e estaduais, construindo novos presídio, o cenário é de superlotação. A taxa de ocupação média de espaços desta natureza é de 197,4%.

Privar de liberdade é o mais extremo dos instrumentos punitivos do Estado, declaradamente, com vistas à ressocialização do infrator. Entende-se que a liberdade individual é o bem supremo que o Estado pode atingir, sem que seja ferido o princípio da dignidade humana, a qual todos têm o direito, garantido pela Constituição Federal de 1988. Críticos do modelo prisional, como o filósofo francês Michel de Foucault, em sua obra clássica “Vigiar e Punir”, identificam como objetivos desta instituição estigmatizar e segregar os delinquentes dos demais indivíduos que compõem o corpo social.

Com o fortalecimento do crime organizado, que passou a atuar de forma articulada, interestadualmente, e o consequente aumento da insegurança nas cidades, estados passaram, via de regra, a dar repostas mais repressivas. Há questionamentos, a partir daí, acerca da eficácia do atual sistema penal brasileiro. E há, também, um clamor por punições mais severas e por mais prisões.

O que se põe em questão não é tanto a validade da pena de privação de liberdade, mas a forma como vem sendo aplicada no País. Ainda que a insegurança seja um problema que exige urgência nas ações, é preciso não se deixar tentar pelo clamor do exagero ou da adoção, pelos estados e pela União, de práticas que vão de encontro às próprias leis das quais devem ser guardiões. 

Caso recente, observado no Ceará, mostrou o quão danoso pode ser quando o Estado perde a justa medida. O episódio que deu origem ao imbróglio aconteceu na zona rural do município de Iguatu, na Região Centro-Sul do Estado. Alcoolizado, um homem entrou na casa de vizinhos e furtou um pacote de biscoito, um par de chinelos e um talher, segundo o próprio, na confusão mental da embriaguez. Por este delito, ele ficou preso, provisoriamente, por três meses. Réu primário, praticante de uma conduta de mínima ofensividade, ele havia sido incluído na superlativa população carcerária do País. Sua situação chamou a atenção da Defensoria Pública do Ceará, que atuou na cidade com o projeto “Defensoria em Movimento”. 

No âmbito do Direito, evoca-se o princípio da insignificância para evitar casos que, ao invés de receberem censura que lhe seja proporcional, podem terminar com punições demasiado severas, contribuindo para o problema da superlotação nos presídios. Enfrentar a criminalidade não pode passar por excessos. São ineficazes e passa a largo da justa medida que se espera do Estado.


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