Editorial: Autismo e saúde pública

O anúncio da suspensão dos serviços realizados pela Fundação Casa da Esperança, em parceria com o Sistema Único de Saúde (SUS), mobilizou familiares e amigos dos jovens atendidos pela instituição, além de ativistas dos Direitos de pessoas com autismo, a chamarem a atenção para a gravidade do episódio. Com 25 anos de funcionamento, o espaço atende 460 pessoas, com ações de assistência educacional e terapêutica. A Casa era uma das referências locais no que toca o autismo.

A descontinuidade do trabalho desenvolvido se deu diante da impossibilidade de dar continuidade à parceria com o SUS. O Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (Ndhac) da Defensoria Pública do Estado do Ceará havia ingressado, nesta semana, com Ação Civil Pública (ACP) contra o município de Fortaleza, em pedido de liminar para que não haja descontinuidade no serviço prestado pela Casa. Mesmo sensível ao problema, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) argumenta que não há, sem a regularização da instituição ou sem o respaldo do Poder Judiciário, a possibilidade de renovação do contrato ou da vigência de um novo.

O impasse quanto ao destino da Fundação Casa da Esperança é a manifestação, visível mesmo à superfície, de um problema bem mais profundo, desconhecido da maioria da população, mas de inegável gravidade. Os números do desafio à sociedade e aos governos são superlativos. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada 160 crianças tem Transtorno do Espectro Autista (TEA). No Brasil, são perto de dois milhões de pessoas vivendo com essa condição. Os números exatos não estão disponíveis, já que a grande maioria está desassistida e muitas sequer foram diagnosticadas.

Os avanços da ciência têm contribuído para que se tenha uma ideia da complexidade do universo do TEA. A partir de 2013, quando foi lançado o mais recente Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais da Associação Americana de Psiquiatria, o DSM-5, a classificação do autismo mudou, deixando de se dividir em cinco categorias. Hoje, os especialistas trabalham tendo em vista os diferentes graus de funcionalidade das pessoas diagnosticadas.

Os critérios de diagnóstico exigem profissionais capacitados para transitar em um território amplo que, por vezes, leva a manifestações extremas e até antagônicas. A dificuldade de dominar as ferramentas da linguagem, antes central, agora divide espaço com a notação sobre outros traços de distinção, que incluem a habilidade para interagir socialmente e os comportamentos restritivos e repetitivos. Encontram-se, assim, pessoas com os mais diversos graus de autonomia e com competências variadas.

É a partir deste quadro que municípios, estados e a União precisam conceber suas políticas públicas para o segmento, igualmente complexas e capazes de atender às pessoas que delas precisam, garantindo-lhes, assim, a plenitude dos direitos assegurados pela Constituição Federal. Em 2012, o governo brasileiro instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA, considerando o indivíduo com TEA uma pessoa com deficiência para todos os efeitos legais. É imperativo que se confronte o desafio imposto, para o bem imediato de todas essas pessoas.


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