Dr. Zerbini (1912-1993)

Em dezembro de 1967, o mundo estarrecido, viu o feito inédito do Dr. Barnard na cidade do Cabo, na África do Sul. O primeiro transplante de coração no mundo. Mais surpreso ficou o Dr. Denton Cooley, do Texas Heart Institute, Houston. Quando escrevia o livro sobre Dr. Regis Jucá, fui a Houston. E conheci Cooley que veio a falecer, dois anos mais tarde aos 97 anos de idade. Cooley afirmava que Barnard era o mais belo cirurgião que já vira operar. Denton, sonhava fazer o feito de Barnard, que estagiara com ele.

A barreira foram os aspectos legais americanos. Dr. Zerbini saindo de sua flegma, exasperou-se por não ter sido o pioneiro. Finalmente, com seis meses de atraso, realizou o primeiro transplante da América Latina. Em maio celebramos 50 anos deste feito. Com uma equipe clínica de excelência, chefiada por Dr. Decourt, Zerbini ficou realizado. Em 1991, estávamos em Manaus, para o Congresso Norte-Nordeste de Cardiologia, com a presença luminosa de Zerbini. A abertura foi no Teatro Amazonas, com uma brilhante conferência do Dr. Jucá. No fim do congresso, tivemos um encontro memorável. Zerbini, Jucá e este simples caboclo do Crateús. A floresta quase vazia. O mormaço não havia varrido as estrelas. E no clareio da lua fomos navegando pela história da Medicina. Deixamos que Zerbini despisse de sua simplicidade para discorrer sobre sua vida de sacerdócio. Falou dos primórdios de sua carreira. Da noite do primeiro transplante do famoso João Boiadeiro. Falou de sua auxiliar Dra. Dirce, sua esposa. Da fundação do Incor. Da maneira que encontrou para os médicos fazerem um nicho no Hospital das Clínicas. Falou emocionado do seu filho medico morto tragicamente, quando tentava ajudar alguém nas ruas confusas de São Paulo.

Do encanto com a cirurgia de revascularização miocárdica, chegando a equipe a realizar mais de 40 mil cirurgias. Da sua doença em estado remissivo, Dr. Régis, ao ouvir Zerbini falar que morreria na sala de cirurgia. Jucá não perdeu a vez: "sendo operado ou operando". Eu não era filho da floresta. Nem guerreiro. Apenas um filho dos sertões do Crateús, sendo testemunha de um depoimento precioso de um homem que veio ao mundo para servir. Qual uma ara sagrada, estava entre duas colunas divinas. Jucá e Zerbini, já ceifados do nosso meio, sinto que o tempo é a mais emocionante estafeta da vida.

 

José Maria Bonfim de Morais
Médico cardiologista