Dr. Paulo Marcelo

Há 30 anos, perdíamos o maior médico clínico que passou por este pedaço de Brasil. Numa manhã turva de domingo, se foi o nosso querido Paulo Marcelo. Havia se encontrado com sua amada mãe. Soçobrou ao copioso pranto. Ali se foram todas as suas perdas e ilusões. Foram os pacientes que ele não pode amenizar a dor. Despiu-se inteiramente de si. Desnudou-se de todas as riquezas materiais e seculares.

Parecia um São Francisco, que inteiramente nu, se lançou nos braços de Deus. Marcelo foi mais longe. Arriscou muito mais. Lágrimas enxugadas. Coração partido quase roto, foi se preparar para ir para São Paulo. No Incor, faria um transplante de coração. Pediu-me para acompanhá-lo como seu médico assistente. Decidi ir, com imensa aflição a toldar a minha mente. Uma grande responsabilidade acompanhá-lo para uma luta contra a morte. Mas tinha por ele um imenso amor. Uma imensa veneração. Sabia do seu valor como médico, como cidadão, como pai, como filho, como ponte segura de tantos. Logo que saiu de sua casa, o seu filho, Carlos Roberto, Dr. Cabeto, me comunicou que o pai não estava bem.

No Prontocardio, o encontrei muito grave. Vi, com pesar, o filho ainda estudante vendo o pai se ir. Olhou-me firme, mas com ternura: "não vai haver ressuscitação". Nunca vi tanta ousadia contra a morte. Jesus ousou a se aproximar da cruz. Mas lançou por várias vezes, a sua oração de dor e sofrimento. Marcelo cresceu diante do infortúnio. Ergueu-se sereno diante da fragilidade do ser. Foi maior do que sua própria vida. Os anos não tiveram a força de incinerarem uma cena que jamais esquecerei. Uma aula de escatologia e de esperança na vida, que a faculdade nunca me deu.

Uma serenidade só encontrada nos primeiros mártires do cristianismo. Passados 30 anos Marcelo, que nos deixou tão cedo, praticou o mesmo que São Paulo: "Quando estava mais fraco, aí foi quando me senti mais forte". (2Cor 12,10). Deus dá fraqueza aos homens, para que eles sejam vitoriosos sobre ela. Marcelo saiu fraco da casa de sua mãe. Mas encheu-se de força para enfrentar a morte, esguelha e traiçoeira. Ao longo destes anos, tudo mudou no mundo. As dores persistem. As aflições parecem alargadas. Mas a vida preciosa e irretocável de Paulo Marcelo permanece eternamente.


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