Dólar e inflação

A escalada irrefreável do dólar em relação ao real começa a causar preocupação quanto à inflação. Trata-se de um movimento ainda incipiente com efeito sobre poucos produtos, o qual pode vir a se dissipar rapidamente caso o câmbio reverta a trajetória estelar recente. Mas, ainda assim, é preciso que as autoridades competentes estejam alertas.

Um choque inflacionário seria deletério para o País neste momento em que as boas notícias econômicas são escassas. Aliás, o comportamento geral dos preços, à exceção do período da greve dos caminhoneiros, tem balanceado a situação na macroeconomia.

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), no acumulado de 12 meses até julho, anota 4,48% de alta, colado ao centro da meta de 4,5% estabelecido pelo Banco Central (BC) para este ano. Esse percentual seria consideravelmente menor não fosse o impacto do movimento que parou as rodovias brasileiras, fazendo a inflação saltar 1,26% em junho.

Não obstante, o quadro voltara ao normal em julho, com os preços de alimentos retrocedendo. A inflação baixa é inerente à atmosfera de fraca demanda, tímida atividade produtiva e desemprego. Seria anômalo se, mesmo com esse conjunto de fatores, os preços estivessem se portando de maneira indômita.

Mas o dólar ascendente pode eletrificar uma cesta de produtos específica, municiando de forma indesejada a inflação. Após as seguidas rodadas de depreciação do real, já se verificou pressão adicional a itens importados de peso significativo, como combustíveis e certos alimentos.

Em agosto, o preço da gasolina praticado nas refinarias se elevou aproximadamente 6%, resultado da influência do petróleo no mercado externo e da oscilação extraordinário do dólar. Cotado a R$ 2,0829, o litro nas refinarias está bem próximo do valor recorde (R$ 2,0867), assinalado justamente durante os protestos de caminhoneiros, em maio.

Entre os alimentos, os derivados do trigo é que devem sobrecarregar o bolso do consumidor. A produção interna de trigo é insuficiente para cobrir a demanda, e o Brasil, neste ano, precisará importar mais da commodity agrícola, principalmente da Argentina. Conforme a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção do cereal deverá ser de 5,1 milhões de toneladas neste ano, enquanto as importações devem perfazer 6,3 milhões de toneladas.

Nesta semana, as incertezas tocantes à corrida eleitoral e às economias emergentes levaram o dólar, ontem, a R$ 4,1541, após bater os R$ 4,21. O valor fechou próximo da máxima histórica de R$ 4,19, de 24 de setembro de 2015.

A instabilidade política vem abrindo espaço para especulações diárias no mercado financeiro, tornando difícil conjecturar, até mesmo, sobre o futuro próximo do câmbio. No cenário hipotético em que o dólar continue subindo e inteirando patamares recordes, o reflexo inflacionário do câmbio seria inevitável.

As perdas do real podem, inclusive, influenciar a atuação do BC na política monetária, incluindo as decisões referentes aos juros. Pelo menos até que a disputa presidencial comece a se definir, a impressão é que nada acalmará o mercado, o que, decerto, vai contribuir para a manutenção da volatilidade cambial.

A pouco mais de um mês para o primeiro turno, imbróglios jurídicos e indecisão popular impedem a visibilidade do horizonte. O certame eleitoral deve seguir imponderável até as vésperas do pleito, o que contaminará a economia.