Crateús lacrimoso

Os Sertões de Euclides da Cunha fala da mutação apoteótica, quando a Caatinga se engalana. Os robustos mulungus com suas abas vermelhas se arqueiam, dando sombra a cacimba que transborda. Em julho, há um clima de doçura e de harmonia em Crateús. A brisa que se derrama em todas as manhãs. O sopro cálido da noite, como a arrumar a luz das estrelas. Um planalto cativo de luz. Esta festa radiante e bela, hoje é um lago de dor. Neste julho, este tapete verde, está úmido de lágrimas. Nesta semana, a dor visitou três famílias de Crateús. Jovens tateando a vida. Oriundos das famílias: Sr. Edmundo Pinto, Sr. Pierre e de Cardoso Linhares. Um marmóreo palor desfigura esta serena harmonia.

Difícil se aconselhar com a morte. Difícil, quando ela chega ceifando jovens, ainda começando a caminhar. Fui acólito na Igreja de S. Vicente, com a direção do Sr. Pierre. Era acólito na Catedral do Senhor do Bonfim, enquanto o Sr. Edmundo Pinto era irmão do Santíssimo. Solene nas procissões de Corpus Christi. Amável quando nos recebia na sua Sapataria União. Chegava apenas com um recado de meu pai, Felipe Morais. E logo saía calçado. Quanto ao Antônio Linhares, é um irmão muito amável e muito querido. Fomos amigos de infância. Sr. Gentil era nosso vizinho. Sua avó era amiga da minha mãe. Toinho é um homem de sucesso. Um cidadão na sua expressão mais límpida. É um administrador talentoso. Um bom pai. Um bom irmão. Um enternecido filho. Um esposo comprometido até a morte de sua esposa. Mas o que me encanta no Antônio é a sua fé. Diria como Jesus disse do oficial romano: "nunca vi tamanha fé". Perdeu a cunhada. Perdeu o genro. Perdeu duas irmãs muito queridas.

Perdeu a Verinha, sua esposa, após um doloroso calvário. E agora Deus leva sua amabilíssima filha Alda. O mesmo nome da mãe, que ele amava como ninguém. Na doença da minha filha Alice, que é sua afilhada, como ele chegou junto. Como me abraçou com amor. Como catou minhas lágrimas. Assombra-me sua espiritualidade. Ávida, forte, sorve ao passar a mesquinhez que a vida se nos apresenta. A pureza dos seus sentimentos, descobre a minha nudez de fé. Como me faltasse tecido para me proteger diante do sofrimento e da morte. Deus é sempre assim. Do sofrimento atroz, faz surgir luz. No meio das cinzas do sofrer, surge esta fogueira de fé.

José Maria Bonfim de Morais

Médico cardiologista