Corrigir o planejamento

A lentidão na elaboração e execução de projetos para universalizar o acesso a serviços de saneamento básico transfere o legado de subdesenvolvimento para as futuras gerações e agrava os atuais problemas da saúde pública. A água usada por quase metade da população permanece sem qualquer tipo de tratamento, segundo relatório da Agência Nacional de Águas (ANA). Os rejeitos contaminam rios, lagos e mananciais, elevando o nível de poluentes nesses reservatórios e prejudicando o abastecimento hídrico. A cada novo estudo sobre o tema, a almejada mudança nos indicadores é ínfima e o diagnóstico do problema se repete.

Adotar soluções para superar as carências de infraestrutura do setor traria ganhos sociais, bem como também repercutiria positivamente na esfera econômica. A redução das despesas com a saúde pública seria o resultado imediato.

Quando se vive no ambiente com esgoto a céu aberto e sem água tratada, abre-se espaço para a disseminação de doenças como cólera, disenteria, hepatite A, febre tifoide, entre outras. Em razão disso, a capacidade de hospitais e postos se torna pequena para atender o contingente de pessoas desassistidas desses serviços. Além de desafogar a saúde pública, outro efeito no âmbito financeiro é o aumento na produtividade do trabalho devido à evolução das condições físicas das pessoas e à melhora nas circunstâncias de habitação. Tentativas para alcançar essas conquistas surgiram por diversas vezes, todavia, elas jamais atingiram as metas traçadas, seja por equívocos no planejamento ou cortes no orçamento, seja por falta de capacidade técnica.

Auditoria do Tribunal de Contas da União evidenciou o mau planejamento no setor, ao analisar a situação e a gestão das obras que integravam o Programa de Serviços Urbanos de Água e Esgoto do Ministério das Cidades. Entre 2007 e 2011, com recursos do PAC I e II (Programa de Aceleração do Crescimento), seriam investidos R$ 10,4 bilhões em empreendimentos que visavam à universalização do saneamento básico do norte ao sul do País. Entretanto, somente 11,81% dos contratos previstos para os projetos foram firmados, os quais somavam apenas R$ 587 milhões.

Para contornar essa ciranda de postergações e atrasos em setor essencial, o governo apelou para o endurecimento da legislação. Assim, em 2007, foi aprovada a Lei do Saneamento Básico, que estabeleceu o prazo de até 10 anos para que os municípios apresentassem o Plano Municipal de Saneamento. Em caso de descumprimento do cronograma, eles deixariam de receber recursos federais. Somente aproximadamente 30% das prefeituras haviam, até hoje, elaborado seu Plano, segundo levantamento do Instituto Trata Brasil. No fim do ano passado, o presidente da República assinou decreto pelo qual prorroga até dezembro de 2019 o período limite para que as cidades cumpram a obrigação.

A maioria das cidades alega não reunir condições técnicas suficientes para produzir documento de tal complexidade. Várias prefeituras, afundadas em desequilíbrio financeiro, não contam sequer com profissionais de engenharia habilitados para orientar a elaboração de licitação nessa área.

A falha de planejamento no saneamento básico tem sido o paradigma nas ações da própria União federal, que não consegue executar seus projetos, com visível desperdício do dinheiro público. O assunto merece ser alçado como prioridade de uma política de Estado pelo próximo governo, para que a sociedade colha os benefícios dos investimentos.