Celebração da vida

Os discípulos entristecidos caminhavam sem destino. De Emaús. Iam com Jesus e não sabiam. A noite se avizinhava. A incerteza das trevas. E rogaram: "fica conosco Senhor " Partiam. Alguns se vão no úmido do rossio. Outros na claridade da aurora. Outros na primavera. Maria Alaíde Bomfim, a última neta da Pátria Alexandrina, como diz Junior Bonfim, partiu. Era Páscoa. Esvaziou-se de si. Se encheu do Jesus Ressuscitado. Alaíde deixa a nossa vida vazia, como Cristo deixou o túmulo. Emociona-se o Exsultet. O canto épico da vitória sobre a morte.

Alaíde se vai com Jesus. Christus Éghere. (Cristo ressurgiu). S. Ambrósio disse que Jesus não ressuscitou para si. Ele ressurgiu para nós. A Páscoa significa muito para nós de Crateús. Para nossa família. Lembro-me que era muito pequeno e pedi a minha mãe, para dormir na Igreja do Senhor do Bonfim, para de madrugada ver o Ressuscitado. Não entendia porque as pessoas saiam apressadas. Lembro-me como compungidos íamos à celebração da Sexta-Feira da Paixão.

Sem canto. Sem sino. Somente o som choroso da matraca. Íamos à procissão do Senhor Morto. E chorávamos. Chegávamos em casa para ceia que Alaíde fazia. Domingo de Páscoa, uma alegria viva. Calorosa. Radiante. A família almoçava na casa do Pe. Bonfim. Alaíde escolheu esta data, cheia de húmus de esperança para se ter com Deus. Foi amiga de Deus. Foi amiga de todos. Dos pobres. Dos morféticos. Dos feridos de tristeza. Dos chagados de dor. Foi partilha. Na Igreja das senhoras de caridade. Na sociedade. E no seu lar. Partilhou afeto. Carinho. Abraços e saudades.

Dom Fragoso deixou tudo para vir celebrar os seus 80 anos. Dom Jacinto veio de Teresina para celebrar seu centenário. No seu rosto de criança brilhavam duas tochas azuis. Um céu de doçura. Vivemos com Alaíde um céu de primavera. Andamos com ela por todos os lugares. Sei que esta primavera é finda. E viveremos o outono de sua ausência. As folhas da saudade vão atapetar os nossos caminhos. As àrvores nuas, de sua presença, arqueadas a sombra desta brisa que corta a nossa alma. Temos de caminhar. O túmulo está vazio. A tua casa sem o teu sorriso. Sem o teu canto. Temos de caminhar, somos Emaús que teme a noite escura, que cai sobre nós. Vamos sentir o frio de tua mudez. Nós pedimos a Deus que tu fiques eternamente conosco, nesta longa noite escura que se avizinha. Cearás conosco. Partilharás o pão da nossa esperança para que vivamos em Paz. Adeus minha mãe querida.

José Maria Bonfim de Morais. Médico cardiologista