Caminhoneiros 'dão tiro no pé'

Analisando o passado recente do Brasil, vemos como é desfavorável a relação entre políticos e empresários, principalmente no que tange serviços públicos ou comerciais. Desta forma, apesar do legítimo movimento dos caminhoneiros contra impostos abusivos sobre os combustíveis, a categoria comete grande erro ao reivindicar uma tabela de valores mínimos de frete.

A medida, divulgada pelo governo federal no último dia 30, define preços mínimos em caráter obrigatório. Com isso, foi dado liberdade para o fatiamento do mercado entre grandes transportadoras, o que resultará na exclusão de autônomos, cobrança de preços abusivos e corrupção generalizada, algo que já acontece no transporte de passageiros.

Para exemplificar, vejamos: se o preço do frete for o mesmo, quais as chances de o autônomo competir com uma grande empresa? A grande empresa tem vendedores profissionais, cobertura mais ampla, frequências regulares e condições de pagamento mais favoráveis.

O autônomo oferece apenas seu trabalho. Os caminhoneiros independentes serão proibidos de criar preços menores para concorrer e serão forçados a abandonar a profissão, ou pior, serão agregados dessas empresas, trabalhando mais e ganhando menos.

Pouco a pouco, a participação de mercado das corporações crescerá. Nos bastidores, grandes empresários combinarão entre si o fatiamento do serviço de transporte. Quatro ou cinco famílias farão lobby por preços mínimos cada vez maiores. As portas para a corrupção estarão abertas.

Por fim, os clientes vão arcar com valores de frete abusivos, que serão repassados aos custos de todos os produtos distribuídos via transporte rodoviário, enquanto grandes empresários lucram alto. Tais previsões podem parecer obscuras, mas foi o que aconteceu com o transporte de passageiros.

Nas rodoviárias do País, quase não se vê pequenas empresas, apenas grandes corporações e preços abusivos. É importante ressaltar as dificuldades vividas pelos caminhoneiros e a coragem em se rebelar. Contudo, os últimos anos não foram fáceis a nenhuma categoria.

Assolados por uma crise sem precedentes, pequenos empresários de todos os setores trabalham no vermelho. Além disso, são 13 milhões de desempregados de diversas profissões. Se todos os setores pressionarem por tabelas de preços mínimos, teremos o retorno do plano cruzado e da inflação.

Sob esse ponto de vista, a alternativa seria uma associação dos caminhoneiros autônomos, que buscasse melhores condições à categoria, porém, mantendo livre a prática de preços individuais. Tabelar o frete é o caminho para o clientelismo, para a corrupção e para a formação de um cartel entre as grandes empresas. O Brasil já cometeu esse erro.

Marcelo Abritta

Engenheiro aeronáutico