Ao som dos violinos

As sombras da noite desciam sobre a Praça do Ferreira quando ouvi, vindo da frente do Cine São Luiz, o som de um violino que tocava o tango "Por una cabeza", de Carlos Gardel, tornado famoso após o filme "Perfume de Mulher", estrelado por Al Pacino. Mais surpreso fiquei ao avistar uma adolescente que empunhava aquele instrumento, tendo a seus pés o próprio estojo com poucas moedas. Aproximei-me curioso e elogiei o desempenho da artista, uma turista que aceitara a sugestão de apresentar-se ali por ser um local renomado da cidade. Como se aprestasse para se despedir, pedi que tocasse a "9ª Sinfonia de Beethoven", bela música e bem conhecida dos frequentadores da praça por constar do repertório do "Natal de Luz". Deu um "banho"...

Ao guardar o violino, recebeu aplausos, que é a melhor paga que o artista espera e, com um belo sorriso de felicidade, deu um beijinho no pai e desapareceram no meio dos transeuntes. Alguns meses depois, conheci a estória que se segue: "um sujeito desce no metrô de NY, vestindo jeans, camiseta e boné. Posta-se nas proximidades, tira o violino e começa a tocar para a multidão.

Durante 45 minutos, nada caiu no seu boné. Ninguém se tocou, mas o músico era Joshua Bell, um dos maiores violinistas do mundo, e seu violino era um Stradivarius, de 1713, estimado em US$ 3 milhões. Alguns dias antes, Joshua havia tocado no Simphony Hall, de Boston, com casa cheia ao custo de US$ 1mil por ingresso. A iniciativa foi de um importante jornal americano para lançar o debate: "Valor, Contexto e Arte".

A conclusão a que chegou é que só damos valor às cousas quando elas estão num "contexto". Bell, no metrô, era uma obra de arte sem moldura, um artefato de luxo sem etiqueta. Será que a apreciação da beleza é manipulada pelo "mercado"? Será que valorizamos somente aquilo que está na etiqueta? E, para encerrar, deixo aos leitores uma pergunta: quanto vale aquele beijo que a jovem violinista deu no seu pai? Quanto vale o amor, a amizade e a saúde que hoje gozamos? Quanto vale o beijo que a minha netinha Sofia, de 4 anos, hoje me pespegou, após algum tempo distante?

Rui Pinheiro Silva. Coronel reformado do Exército