Ameaça à lisura eleitoral

Da cidade de Palo Alto, na Califórnia, surge uma crise que, embora aos mais abstraídos pareça distante, poderá influenciar o futuro próximo do Brasil. O escândalo revelado nesta semana pela imprensa estrangeira, envolvendo a maior rede social do mundo, o Facebook, esquenta os temores que cercam a campanha eleitoral brasileira. Após serem fundamentais para o encaminhamento da vitória de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, práticas nefastas como o surrupio de dados pessoais e a proliferação de notícias falsas na internet ameaçam a lisura do processo brasileiro.

Portanto, muito interessa aos eleitores, ativistas e candidatos brasileiros o desdobramento de tal crise de confiança no mundo digital, ainda mais, a poucos meses do pleito. Há tempo hábil para eliminar a influência inescrupulosa de grupos que desejam beneficiar ou deturpar, por meios clandestinos, candidatos, coligações e, em maior escala, ideologias? Difícil asseverar.

A própria demora do Facebook em esclarecer publicamente o que ocorrera e sua incapacidade de expor, com clareza, as medidas que serão tomadas para que o inaceitável problema não se repita, deixam a questão repleta de incógnitas.

Ainda se digere a explosiva notícia de que a Cambridge Analytica, empresa de consultoria política ligada à campanha eleitoral de Trump, obteve dados de 50 milhões de usuários da rede social e, com isso, impactou a eleição da maior economia do mundo.

No universo digital, desde que se tenha gama significativa de referências sobre as pessoas, é possível prever comportamentos e até influenciar decisões, como o voto. A grave denúncia, confirmada pelo próprio Facebook, traz enorme preocupação em torno da maculação da privacidade e da manipulação de informações individuais com fins perniciosos.

Se a gigante tecnológica, oitava maior empresa de capital aberto do Planeta, com mais de 2 bilhões de usuários, não conseguiu garantir retidão no processo eleitoral do próprio país em que é sediada, é razoável pensar que encontrará dificuldades ainda maiores em outras nações, cuja realidade socioeconômica é inteiramente diversa.

Após o estouro da última tempestade, a companhia manifestou que "está comprometida em fazer tudo o que puder", em prol da garantia de integridade da eleição no Brasil. Resposta generalista e improdutiva. Aliás, até o momento, os grandes players da tecnologia não deram solução contundente. O gargalo não é tão recente. Desde o fim da década passada, as redes sociais se tornaram espaço de ampla influência política, deixando de serem apenas ferramentas de inter-relações pessoais. Ali, vale enfatizar, existem limpos e enriquecedores debates, mas também pairam indivíduos mal-intencionados, os quais, quase sempre, se escondem sob a capa do anonimato e da falsa identificação que tais redes ainda permitem.

Mesmo com a crescente atuação de mentirosos e impostores, as empresas não atentaram para o tamanho do perigo tocante a esses abusos. No vácuo de ações que os proíbam, essas figuras cresceram em número e se profissionalizaram, influenciando, comprovadamente, a eleição dos EUA, ao inundar a rede com falsas notícias e perfis enganosos.

Diante da impotência das empresas do setor e das autoridades em assegurarem transparência e privacidade na web, cabe a cada cidadão e eleitor analisar criteriosamente a procedência das informações, priorizando os veículos de imprensa consagrados, e jamais devendo compartilhar conteúdos suspeitos.