A defesa no banco dos réus

Em tempos de publicização das ações de crime organizado e da banalização da violência é natural e legítima a indignação da sociedade que paga seus impostos, mas se vê cerceada do exercício de vários direitos, como o de ir e vir numa cidade sempre assustada com a insegurança, e de utilização dos serviços públicos de transporte, educação e saúde. É compreensível o questionamento sobre a legitimidade da legislação e do sistema de justiça. Entretanto, como agente público, trago algumas ponderações de quem convive mais de perto com a justiça criminal, observando suas dificuldades e limitações, e ressalto o que merece ser sopesado antes de se propor mudanças legislativas ou se valer de críticas ao amplo direito de defesa.

A defesa criminal passou a ser vista como a grande “vilã” do processo penal brasileiro, considerada culpada pela morosidade da justiça e impunidade, numa inversão de valor, como se a exigência do respeito à legalidade representasse tais distorções. O direito de defesa – tantas vezes mitigado pelo desaparelhamento das instituições que o promovem, como a falta de defensores públicos em 70 % das comarcas cearenses – quando respeitado, traz a segurança jurídica que a sociedade conclama, especialmente para a mais vulnerável, que compõe a maior parte dos acusados nos processos criminais.

Diante dessa realidade - tão próxima e tão invisível para a maioria - há de se questionar a propositura governamental pela adoção do plea bargain, espécie de acordo em que o acusado troca a antecipação de uma pena menor pela confissão, abrindo mão do direito de defesa. Em um sistema processual onde a grande maioria dos acusados é economicamente deficiente, semi analfabeta ou analfabeta, sem nenhum conhecimento jurídico, refém das facções, da lei do silêncio sob a ameaça real de morte, a adoção desse método é despropositado, pois potencializará a desigualdade concreta entre acusação e defesa (confiada à Defensoria Pública) em que pese a já instável balança com diferenças tão significativas em quantitativo de corpo técnico e orçamentário. Por oportuno, basta lembrar que para cada vara criminal do Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza, há dois promotores (responsáveis pela acusação) para um só defensor público.

O exercício do constitucional e legítimo direito de defesa possibilita que os acusados sejam ouvidos e possam fazer a contra prova processual, evitando que pessoas inocentes sejam condenadas, o que não pode ser renunciado sob nenhum pretexto. Mesmo nos países que adotam a justiça negociada, como Inglaterra, Holanda e Estados Unidos, neste último representando mais de 90% dos casos criminais, não houve redução da população carcerária, além de muitos inocentes se declararem culpados por não poderem arcar com os custos processuais.

Lembremos que se há jovens, e cada vez mais jovens, envolvidos na criminalidade é porque falhamos na política de prevenção e educação. Se há famílias ameaçadas é porque falhamos em prover a segurança, permitindo que as ações criminosas sejam ampliadas. Bom seria se, ao invés de propor tantas mudanças legislativas, muitas delas absurdas e absolutamente dissociadas da nossa realidade, fizéssemos um pacto para o cumprimento das leis já existentes, com rapidez e segurança jurídica para todos.


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