Longas jornadas de trabalho leva à embriaguez pelo cansaço

Trabalhar em excesso é como dirigir bêbado, indica estudo. Por exemplo, 17h seria pior ao desempenho do que se tivesse uma concentração de 0,05% de álcool no organismo

Escrito por BBC ,

De acordo com as últimas estatísticas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), mais de 400 milhões de pessoas trabalham 49 ou mais horas por semana, uma proporção considerável do quase 1,8 bilhão de trabalhadores em todo o mundo. No entanto, a cultura de longas jornadas não significa, necessariamente, ser mais produtivo. No mínimo, estabelece um preço alto para se atingir esse objetivo.

Um estudo que analisou 13 anos de registros de trabalho nos Estados Unidos descobriu que "trabalhar em empregos com horas extras estava associado a uma taxa de risco de lesões 61% maior em comparação com trabalhos sem hora extra".

Ele não chega a dizer que o cansaço é a principal causa do aumento de risco, mas há amplas evidências disso. Por exemplo, se você acordou às 8h e ficou de pé até 1h do dia seguinte (ou seja, 17 horas seguidas), seu desempenho físico provavelmente será pior do que se você tivesse uma concentração de 0,05% de álcool no organismo. Essa é a média que um homem de 73 kg teria se tivesse bebido duas latas de 355ml de cerveja. O resultado: você está "bêbado" de cansaço.

Se você permaneceu acordado até 5h, a disfunção seria parecida a ter 0,1% de álcool no sangue, mais do que o mínimo de 0,08% considerado limite legal para dirigir na maioria dos países do mundo (o Brasil não está nessa lista, aqui é tolerância zero ao álcool).

Portanto, um indivíduo que fica acordado a noite inteira terá seu desempenho físico (como o tempo de reação ou coordenação motora) tão prejudicado quanto se ele estivesse bêbado ao volante. 

Ciclo vicioso

Não são poucas as pessoas que dependem das horas extras para conseguir ter um rendimento que pague as contas. E algumas ficam reféns de um sistema que as incentiva a trabalhar várias horas ou à noite se seus clientes vivem em outros fusos horários.

Esse é o exemplo comum de trabalhadores temporários no sudeste da Ásia e na África, que são contratados por companhias ou empreendedores dos Estados Unidos ou Europa através de plataformas freelancer para tarefas como escrever códigos, posts para blogs, desenvolver sites ou gerenciar mídias sociais.

Uma pesquisa recente conduzida por Alex J. Wood, do Instituto de Internet da Universidade de Oxford, revela que os algoritmos que distribuem as tarefas a esses profissionais contribuem para o excesso de trabalho. Isso porque quanto mais alto o profissional estiver no ranking dessas plataformas, maiores as chances de ele ser contratado para novos trabalhos.

Mas para conseguir boas recomendações de clientes, eles acabam fazendo tudo o que seus clientes querem, deixando pouco espaço para negociar melhores condições. "Eles têm de estar disponíveis a qualquer momento. Se o cliente tem um prazo apertado, eles têm de aceitá-lo. Do contrário, receberão uma avaliação ruim", diz Wood.

Se o profissional não está no topo do ranking, essa pressão aumenta. Alguns tentam atrair mais tarefas cobrando tarifas extremamente baixas, o que os força a trabalhar muitas horas por pouco dinheiro. Além disso, muitos investem várias horas em trabalho não remunerado, como administrar perfis, oferecer trabalhos na plataforma e desenvolver habilidades para criar perfis mais atraentes. Isso além da rotina já exaustiva de trabalho.

De acordo com Wood, "o impacto mais óbvio é a falta de sono", que reforça o ciclo vicioso de pouco descanso e longas jornadas. "As pessoas seriam mais produtivas se elas não trabalhassem tantas horas. Mas a forma como os negócios são criados não permite que as pessoas maximizem a produtividade por que elas precisam trabalhar até tarde para cumprir prazos". Plataformas de freelancers têm sido criticadas por enaltecer esse estilo de vida pouco saudável.

À disposição

A época em que o trabalho terminava e as pessoas saíam do escritório acabou. Como mostrado por um artigo de Ian Tower, pesquisador da Universidade SRH Hochschule em Berlin, a tecnologia móvel "aumenta as expectativas: gerentes e colegas esperam que a equipe esteja sempre pronta para trabalhar".

Mas estar disponível não é o mesmo que estar de folga, e a forma como o corpo reage a tais situações é diferente. Um estudo de 2016 descobriu que os níveis de cortisol (o hormônio que regula a reação de "lutar ou fugir" e que tem papel importante no estresse) de pessoas que estão à disposição aumentam mais rápido de manhã, mesmo que elas não trabalhem naquele dia.

Esse hormônio geralmente tem um pico de concentração quando acordamos e sofre redução ao longo do dia. Mas cientistas acreditam que fatores de estresse diário alteram esse ciclo: os níveis sobem mais rápido se for esperado que o dia será estressante (esse seria o caso no exemplo acima), os níveis permanecem altos se você está cronicamente estressado, e seus níveis não aumentam se você estiver sofrendo uma síndrome de burnout - geralmente precedida por um período de estresse crônico.

Em outras palavras: profissionais sentem que o período em que eles estão de sobreaviso não é de fato deles, e o nível de estresse sobe por conta disso. Portanto, os pesquisadores concluem que os dias em que se requer disponibilidade "não poderia ser considerado como tempo de lazer, porque a recuperação - função crucial desse momento - fica restrita a tais circunstâncias".

Bem, é improvável que essas plataformas mudem a forma de operação, especialmente quando esse modelo de negócios permite a movimentação de bilhões de dólares por ano. Enquanto isto, se você contratar um freelancer online, talvez seja melhor dar-lhe mais tempo: eles podem não apenas fazer um trabalho de mais qualidade, como a vida deles também pode ser melhor.

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