Consumidor precisa avaliar bem sua condição financeira antes de comprar imóvel na planta

Texto da legislação sancionada no fim de 2018 estabelece que a construtora pode reter até metade do valor pago no momento da desistência do contrato

Escrito por Ingrid Coelho , ingrid.rodrigues@diariodonordeste.com.br

Sancionada no fim de 2018 pelo então presidente Michel Temer (MDB), a Lei nº 13.786/18 regulamenta uma situação que se tornou recorrente ao passo em que a crise econômica foi ganhando força no País: o distrato imobiliário, ou seja, a devolução do imóvel pelo comprador à construtora. Uma das principais mudanças instituídas pela nova legislação é a retenção de até 50% do valor pago pelo comprador do imóvel à construtora ou incorporadora, dispositivo que preocupa entidades de defesa do consumidor.

De acordo com o Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon Fortaleza) e a Ordem dos Advogados do Ceará (OAB-CE), antes de a lei entrar em vigor, o comprador normalmente tinha entre 10% e 25% do valor pago retido pela construtora. Para Cláudia Santos, diretora do Procon Fortaleza, o consumidor é prejudicado e as construtoras saem ganhando com a nova diretriz. "A nova Lei do Distrato veio para prejudicar o consumidor que compra o imóvel na planta, o mais atingido por esses dispositivos. Ela exige que o consumidor pague só 50% do valor pago pelo imóvel e a construtora não tem praticamente prejuízo nenhum, porque ela fica com aquele imóvel que foi objeto do distrato que será vendido novamente para outra pessoa", justifica Cláudia Santos. Ela frisa ainda que o dispositivo confronta o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Já o Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Ceará (Creci-CE) diz acreditar que a nova legislação trouxe mais clareza na relação entre incorporadoras e construtoras com o consumidor. "Agora, as regras de rescisão estão claras e definidas; antes, as rescisões ficavam a depender das interpretações do Poder Judiciário", observa Rodrigo Mota da Costa, advogado e presidente em exercício do Creci-CE.

Análise cuidadosa

Para evitar problemas, Cláudia orienta ao consumidor analisar cuidadosamente as cláusulas do contrato de compra e venda. "Além disso, ele deve analisar bem a própria situação financeira, porque ele fica vulnerável diante dessa lei. Se ele se sentir desfavorável em uma situação de distrato pode sim questionar na Justiça, mas a mesma pode entender que o que vale é a nova lei", explica Cláudia Santos.

Para o presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB-CE, Thiago Fujita, ainda é cedo para falar das consequências da lei para o consumidor e coloca como possivelmente desfavorável o dispositivo que trata do percentual retido pela construtora ou incorporadora em caso de desistência do contrato.

Devolução

A Lei do Distrato estabelece que os clientes que desistirem da compra de um imóvel na planta em regime de patrimônio de afetação terão direito a receber 50% do valor já pago. Submetendo o empreendimento ao regime, a construtora desvincula o patrimônio usado para a obra do patrimônio (o terreno, por exemplo) da companhia em si. "Isso impede que, caso a empresa quebre, o consumidor seja afetado por possíveis penhoras de bens da construtora", explica.

Fujita detalha que a cláusula parece "muito afetosa ao consumidor". "É preciso também olhar para o prazo de restituição desse valor pago pelo consumidor. A lei determina que seja em 12 parcelas a partir de um prazo de carência. Esse prazo pode acabar ficando um pouco longo; se a obra estiver em andamento, são 180 dias de carência após o prazo previsto para a conclusão. Se ela já estiver concluída, há um prazo de 12 meses após a formalização da rescisão contratual", lamenta.

Esclarecimentos

O presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB-CE também ressalta, entretanto, que a Lei do Distrato esclarece alguns pontos sobre a relação entre comprador e construtora. "Quando se fala em direito do consumidor, falamos da harmonia da relação de consumo. Essa lei trouxe alguns esclarecimentos interessantes ao mercado de consumo", diz. A nova legislação também estabelece o direito de arrependimento em até sete dias. "O consumidor tem até sete dias para ir ao stand de vendas, expressar o seu direito de arrependimento e rescindir o contrato. Isso me parece interessante", analisa.

Prazo de entrega

A Lei nº 13.786/18 também diz que, em caso de atraso na entrega do imóvel, a incorporadora terá o prazo de até 180 dias de prorrogação para a entrega sem incidência de multa. Após esse prazo, o consumidor poderá pedir a rescisão, sem prejuízo da devolução de todos os valores pagos e da multa estabelecida, corrigidos, e deve receber em até 60 dias do pedido de distrato.

Caso o consumidor não tenha interesse em romper o contrato, a incorporadora terá que pagar, na data de entrega do imóvel, indenização de 1% do que foi pago para cada mês de atraso em valores corrigidos monetariamente.

O Creci-CE explica ainda que esse é um caso clássico no qual a culpa do distrato não é do comprador do imóvel, mas da incorporadora. "Se a rescisão estiver ocorrendo sem culpa do adquirente, ele poderá pleitear a devolução da integralidade de todos os valores pagos e da multa estabelecida, em até 60 dias corridos contados da resolução, corrigidos", reforça o Conselho Regional.

Em vigor desde o fim do ano passado, a Lei do Distrato esclarece a operação de compra e venda de imóveis na planta, mas preocupa entidades de defesa do consumidor por dispositivos polêmicos.

Quando é possível evitar o problema

A desistência do contrato de compra e venda de um imóvel por falta de pagamento do comprador acontece, em algumas situações, porque o consumidor não mediu o peso das prestações do imóvel dentro do orçamento familiar. Educador financeiro do Instituto DSOP (Diagnosticar, Sonhar, Orçar e Poupar), coach e idealizador da página Valorize Seu Sonho no Instagram (@valorizeseusonho), Rafael Rico edestaca que antes de comprar um imóvel é fundamental fazer uma avaliação profunda da própria situação financeira.

A partir disso, será definido o valor que será investido no bem. "É preciso que o comprador tenha ciência de que ele vai firmar um compromisso mensal", observa Rafael Rico. O especialista frisa que o ideal sempre será a compra à vista, mas reconhece que hoje é difícil fazer a aquisição de um imóvel dessa forma.

"A gente sabe que é muito difícil comprar um imóvel à vista, mas há uma alternativa que é o consórcio. Para quem não tem tanta urgência, é algo interessante. É possível ainda economizar e dar um lance para ser sorteado mais rapidamente", explica o educador financeiro.

Outra opção para quem não tem tanta urgência é programar um investimento em produtos de renda fixa, mais conservadores quanto ao risco.

"Poupar parte do que se ganha e fazer algumas simulações de investimento é interessante e pode garantir um bom valor para a entrada do imóvel", diz.

Com a entrada mais robusta e a possibilidade de uma parcela mensal mais leve, a chance de fazer a prestação do imóvel caber no orçamento da família é maior, de acordo com ele.

Além disso, o educador financeiro frisa que o comprador deve estar atento ao padrão do local escolhido pelo consumidor para morar. "O consumidor precisa avaliar qual é o padrão de vida nesse local, quanto custa o pão, o transporte... Tudo isso é importante para que não haja um arrependimento depois", afirma o educador financeiro do DSOP.

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