Baixo retorno em serviços públicos eleva peso da carga tributária

Além de problemas de percepção de investimentos na qualidade dos serviços públicos, complexidade do sistema de cobrança de impostos no Brasil foi apontada como entrave para desenvolvimento da atividade econômica

Escrito por Samuel Quintela , samuel.quintela@diariodonordeste.com.br

Desde o começo do ano, o cearense já vem lidando com uma elevada carga tributária, valores que teriam rendido, entre 1º de janeiro deste ano até a última sexta (8), R$ 5,603 bilhões de arrecadação ao Estado, segundo dados do Impostômetro. O número, que representa um aumento de cerca de 7% em relação a igual período do ano passado, traz novamente à tona a discussão de quão pesada é a carga tributária brasileira.

Representando, em 2017, de acordo com o último cálculo da Receita Federal, 32,43% de todas as riquezas geradas pelo País - soma do Produto Interno Bruto (PIB) -, a carga tributária nacional supera a de países como Estados Unidos e Canadá, ficando entre as 30 mais altas do mundo.

As principais críticas ao sistema de impostos, que também ajudaram a colocar uma possível redução ou reforma tributária na pauta do novo Governo Federal, citam as contribuições como entrave para o consumo e a produção no Brasil, atrapalhando o desenvolvimento da economia.

Contudo, especialistas consultados afirmam que a situação é um pouco mais complexa do que alguns setores do mercado defendem, e que seria praticamente impossível reduzir a carga tributária em curto ou médio prazo.

Para Marcelo Lettieri, diretor técnico do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco-CE), o grande problema envolvendo os impostos brasileiros não é, em si, o tamanho da carga, mas o nível de retorno dos valores pagos pela população e a aplicação deles em serviços públicos.

Segundo ele, é preciso levar em conta que o valor arrecadado pelo poder público não é integralmente direcionado para os serviços oferecidos pelo Governo. Ao excluir do cálculo os gastos com Previdência e outras obrigatoriedades, a carga tributária líquida brasileira fica em torno de 13%, valor que não é considerado alto por economistas.

Contudo, a sensação de retorno desses pagamentos, considerando o setor produtivo e a população, seria muito baixo. Corroborando com a perspectiva do auditor fiscal, o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) divulgou um estudo, no fim do ano passado, no qual aponta o Brasil como o país que dá o pior retorno em serviços públicos à sociedade. O estudo analisou as 30 nações com maior carga tributária, apontadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e comparou com os resultados do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O estudo colocou o Brasil na última colocação em duas edições consecutivas.

Desequilíbrio

Além do baixo retorno, Lettieri aponta que o sistema tributário está desbalanceado, sobrecarregando taxas relacionadas à produção e ao consumo no País, fator que prejudica os mais pobres, enquanto desconsidera cobranças sobre a renda e os lucros e dividendos empresariais.

"Quase 50% dos valores arrecadados com impostos é sobre a produção e consumo, enquanto que nos Estados Unidos é quase 17%. Mas em compensação, a nossa tributação sobre renda representa cerca de 19% da arrecadação enquanto que nos EUA, esse valor é de quase 50%", explica Lettieri. "O paraíso fiscal é receber renda no Brasil e consumir nos EUA. Lucros e dividendos são isentos aqui, então existe espaço para aumentar a tributação sobre a renda sem afetar quem já é taxado, e reduzir a taxação em cima de bens e consumo. Precisamos redistribuir a carga tributária e isso vai dinamizar a economia", completou o auditor.

Complexidade

Outro ponto relevante sobre a discussão da carga tributária brasileira, segundo Raul Santos, presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef) do Ceará, é a complexidade do sistema. De acordo com ele, a tributação nacional onera direta e indiretamente as empresas, que se veem obrigadas a implantar um setor voltado apenas para lidar com todos os impostos exigidos e manter-se em dia com as obrigações com o poder público.

"A primeira coisa que assusta é a quantidade de impostos, porque isso por si só já onera as empresas que precisam criar um setor inteiro para isso. A sensação da carga ser pesada também vem pela ausência de benefícios. O cidadão não vê retorno e dá a impressão de que os impostos são muito altos. E não é diferente com as empresas", defende.

Santos defende que o sistema precisaria ser simplificado, o que daria mais agilidade aos processos de produção e mais competitividade, já que desoneraria o setor produtivo. "A primeira coisa que precisa ser feita é simplificar o sistema de impostos, diminuindo a quantidade de tributos, e deixar o processo mais ágil. Depois, o Governo precisa estimular a economia, pois se ele apenas aumentar os impostos a arrecadação pode até aumentar, mas o número de empresas pode acabar diminuindo pelo peso da carga tributária", avaliou.

Uma das soluções para deixar o sistema tributário brasileiro menos complexo, considerando empresas e pessoas físicas, seria a "aglutinação" de alguns impostos, reduzindo o número de tributos. Essa perspectiva incluiria o desenvolvimento do Imposto Sobre Valor Agregado, ou IVA, tão defendido durante a campanha presidencial das eleições de 2018. Essa opção teria de ser considerada porque, segundo João Eloi Elenike, presidente do IBPT, não há "espaço para reduzir a carga tributária no curto prazo".

Articulação

Contudo, todo esse processo dependeria de uma reforma tributária, que deverá exigir do Governo Federal e da equipe econômica liderada pelo ministro Paulo Guedes um forte poder de articulação.

"A carga tributária é injusta, porque boa parte da arrecadação brasileira vem do consumo, e também não há diferença de tributação de quem ganha mais e quem ganha menos. Sem contar que ainda temos muita burocracia e um número grande de impostos. O Governo está prometendo baixar a carga tributária para 15%, mas é preciso demonstrar como, porque para reduzir a tributação você precisa compensar para garantir que haja arrecadação para todas as esferas: municipal, estadual e federal", disse Eloi.

Entretanto, Marcelo Lettieri aponta que a decisão de criar um IVA não é tão simples assim. A medida alteraria a dinâmica de arrecadação de alguns estados, criando resistência nas unidades da Federação que recebem mais dentro do sistema atual, como São Paulo e Mato Grosso, por exemplo.

"Nós precisamos aumentar a qualidade do sistema tributário. Trocar o ICMS e criar um IVA no destino, taxar onde você consume e não onde é produzido, só que isso afetaria os estados de Mato Grosso e São Paulo, mas isso melhoraria muito a vida das empresas, pois acabaria com os pontos de fronteiras e fiscalização entre estados, agilizando muitos processos de tributação", defende Lettieri.

O que eles pensam

"A carga não só é alta, como é complexa, confusa. Tinha que ser melhor trabalhada. Estamos com problemas e o Estado está tentando melhorar, mas temos de ter cuidado para evoluir da maneira correta. Temos que enxugar e desburocratizar" 
Freitas Cordeiro
Presidente da FCDL

"A alta carga tributária e a complexidade que envolve o sistema tributário brasileiro compõem uma situação que impede e desestimula o empreendedor no País"
Beto Studart
Presidente da Fiec

"Enquanto outros estados têm incentivos fiscais especiais, como é o caso da Bahia, o nosso leite encontra dificuldade para concorrer até no mercado local. E o leite representa 50% do valor bruto da produção agropecuária do Ceará"
Flávio Saboya
Presidente da Faec

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