Pressa pode sabotar reunião de Trump e Kim, diz analista

Cientista político americano diz que a cúpula que ocorrerá entre os dois presidentes deve ser "cautelosa e provisória"

Escrito por Folhapress ,

Qualquer expectativa para a cúpula entre Donald Trump e Kim Jong-un, nesta terça-feira (12) em Singapura, deve ser "cautelosa e provisória", diz o cientista político americano Charles Kupchan, da Universidade Georgetown.

"Esse encontro veio do nada", afirma ele, em entrevista por telefone, lembrando que Washington não seguiu as preparações habituais antes de um encontro dessa importância. "Não me oponho ao encontro. Mas estou preocupado com como isso aconteceu, parece que colocaram o carro na frente dos bois."

PERGUNTA - O que se pode esperar de um encontro que reúne duas pessoas tão imprevisíveis?

CHARLES KUPCHAN - Qualquer expectativa que temos deve ser cautelosa e provisória. Esse encontro veio do nada e a administração Trump não empreendeu o trabalho de preparação que normalmente alguém gostaria de ver antes de uma reunião dessa importância.

Eu certamente não espero que possa haver um acordo surpreendente no qual os norte-coreanos concordem em se livrar de suas armas nucleares. É seguro dizer que ambos os líderes vão deixar a sala e declarar que foi um grande sucesso. Mas o ponto-chave será: haverá conteúdo?

P - Trump já disse que "não vai assinar nada" no dia 12. Algo de concreto pode sair dessa reunião?

CK - O que vemos aqui é o rebaixamento de expectativas. A reivindicação inicial era a de que Trump se encontraria com Kim e ele iria se livrar das armas nucleares da Coreia do Norte. E agora, de repente, ouvimos que nada concreto é esperado. O governo Trump já está recuando de suas reivindicações iniciais.

O real poder de barganha que os EUA têm sobre a Coreia do Norte é o instrumento de isolamento. E a principal razão pela qual Kim propôs um encontro com Trump é porque os chineses, sob pressão de Trump, concordaram em impor um nível sem precedentes de pressão econômica.

Temo que aconteça uma conversa de amenidades. Trump vai dizer que o processo começou, a pressão que criou uma abertura vai se dissipar, e com o tempo a Coreia do Norte vai descobrir que não tem mais um forte incentivo para se desnuclearizar.

Além disso, o encontro em si é um instrumento de barganha, e Trump o desperdiça ao concordar em se encontrar com Kim sem ter nenhum compromisso de antemão.

Normalmente, você tem um encontro como esse para selar um acordo, não para começar a conversa. Porque você dá um presente para Pyongyang antes que eles tenham feito alguma coisa.

A princípio, não me oponho ao encontro. Acho que é ótimo que o presidente americano e o líder norte-coreano sentem frente a frente. Mas estou preocupado com como isso aconteceu, parece que colocaram o carro na frente dos bois.

Eu ficaria extremamente surpreso se víssemos a desnuclearização da Coreia do Norte num futuro próximo. É o único ás na manga deles. É a principal fonte de segurança e proteção deles. É difícil para mim imaginar que a Coreia do Norte iria gastar tanta energia para desenvolver armas nucleares, sabendo que elas são o motivo principal pelo qual a opção militar contra a Coreia do Norte não é considerada, e então concordar em desistir delas.

P - Trump e Kim também gostam de estar cada um no centro das atenções. A reunião pode ser explosiva?

CK - Uma desvantagem perigosa do encontro é que ele não produza resultado algum, deixe Trump envergonhado e nervoso, e voltamos a uma situação em que um conflito militar se torne mais provável. Porque Trump poderia dizer: "Eu tentei diplomacia, não funcionou, agora eu vou recorrer à força".

Não acho que esse resultado seja provável. Isso porque, como eu disse, acho que independentemente do resultado, ambos os lados vão declarar vitória. Ambos vão dizer que isso é um avanço.

Vamos dizer que eles concordem em negociar um tratado de paz que encerre formalmente a Guerra da Coreia [disputada entre 1950 e 1953, terminou com uma trégua, não um acordo de paz]. Trump poderia alegar: "Isso é uma grande vitória, um grande avanço, a paz está saindo, eu mereço o prêmio Nobel da Paz". E deixar por isso mesmo. Sem nenhum progresso concreto com a desnuclearização ou na contenção do sistema de armas nucleares da Coreia do Norte. E, dado que Trump é uma estrela de reality show, eu diria que esse resultado é o mais provável.

P - Quais ofertas o sr. acredita que Trump poderá fazer para Kim?

CK - Acho que há diferentes grupos de questões. Um deles seria diálogo político, concordando em iniciar um grupo de trabalho que se encontre mensalmente para resolver todos os assuntos na mesa e dar fim ao status de pária da Coreia do Norte.

Um segundo seria alguma combinação de garantias de segurança, um tratado de paz e a redução da tensão militar. E isso poderia envolver menos exercícios militares na península Coreana, uma redução do número de tropas americanas na Coreia do Sul e outros passos para indicar que os EUA está atenuando sua presença militar.

Um terceiro seria o contato pessoal, a reunificação de famílias do Norte e do Sul, abrindo os dois países a viagens, ao turismo.

Um quarto seria no campo econômico, recuar com as sanções, fornecendo assistência econômica, ajuda alimentar, recursos energéticos.

Eu seria cauteloso quanto a reduzir a pressão econômica cedo demais. Porque esse é o principal instrumento de barganha sobre Pyongyang.

Meu conselho para Trump seria focar em diálogo político, redução da tensão militar, contato pessoal, mas não diminuir a pressão econômica até você ter obtido progresso na questão nuclear. Porque, do contrário, você provavelmente nunca chegará lá.

P - Qual o impacto dessa cúpula para a região, considerando outros atores como Coreia do Sul, China e Japão?

CK - Acho que a Coreia do Sul, em geral, está bem disposta, porque o atual governo é progressista e insiste em buscar reconciliação com o Norte.

A China está mais preocupada, porque eles temem ficar de certo modo afastados se Pyongyang passar mais tempo falando com Washington do que com Pequim, mas acho isso improvável.

O país que está mais preocupado com esse encontro é o Japão. E é por isso que Abe está aqui hoje [o premiê japonês, Shinzo Abe, foi recebido por Trump em Washington na última quinta-feira, 8].

Porque o Japão tem muita coisa em jogo. Preocupa que Trump possa fechar um acordo que negue os mísseis balísticos de longo alcance à Coreia do Norte, mas ainda deixe o Japão exposto aos de curto alcance. E o Japão seguirá inquieto com qualquer potencial nuclear que exista na Coreia do Norte.

Devido às preocupações sobre a confiabilidade dos EUA, sua relação problemática com a China e o que acontece na península Coreana, o Japão está tendo um debate interno fundamental sobre a reforma das suas Forças Armadas e há aqueles no establishment da política externa japonesa que defendem que, em última instância, o país vai precisar de armas nucleares.