Mundo lembra os 5 anos da morte da “Dama de Ferro”, Margaret Thatcher

Escrito por Redação ,

Uma primeira-ministra britânica enfrentando dificuldades políticas internas, vivendo momentos históricos de um país que já foi apelidado de “o império onde o Sol nunca se põe”, em um contexto de relações diplomáticas conturbadas com o Kremlin.

Essa descrição poderia ser aplicada tanto à atual chefe de Governo do Reino Unido, quanto à Margaret Thatcher, que ficou conhecida mundialmente como a “Dama de Ferro”. Contudo, as semelhanças entre as duas figuras políticas terminam aí.

Há exatos cinco anos, Thatcher morreu vítima de um acidente vascular cerebral, que encerrou uma das páginas mais marcantes da história mundial, durante os 87 anos que ela viveu. Ela governou entre os dias 4 de maio de 1979 e 28 de novembro 1990 (tendo sofrido um atentado em 1984).

No período em que esteve no poder, ela ajudou a consolidar conceitos como globalização e neoliberalismo, articulou e testemunhou o colapso dos regimes comunistas do Leste Europeu e enfrentou uma inesperada guerra contra a Argentina. Além disso, mesmo sem apoiar diretamente causas feministas, se tornou uma das mulheres mais importantes dos últimos 40 anos ao se sagrar pioneira a ocupar o cargo político mais importante em uma das cinco potências com assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

O doutor em Relações Internacionais, Kai Enno Lehmann, lembra que “em alguns momentos, (Thatcher) comentava sobre como o fato de ter sido mulher deixava as coisas mais difíceis pra ela. Então, para chegar no topo, superou muitos obstáculos que um homem não teria que enfrentar”. Para Lehmann, um dos maiores legados da ex-premiê britânica foi “derrubar o consenso econômico e político que dominava o Reino Unido durante os anos 50, 60 e 70 e ela contribuiu muito para espalhar o modelo neoliberal pela Europa”. Junto com o presidente norte-americano Ronald Reagan, que governou entre 20 de janeiro de 1981 e 20 de janeiro de 1989, ela defendeu na economia a desregulamentação do setor financeiro, a flexibilização trabalhista, a redução da influência sindical e a privatização.

Indicada pelo Partido Conservador, caso ainda estivesse viva, Margaret Thatcher assistiria hoje uma inversão em que as críticas ao neoliberalismo e à globalização não vem mais apenas da esquerda e de grupos socialistas ou comunistas, mas justamente de grupos neoconservadores, haja vista os movimentos de direita e extrema-direita que ganham força na Europa e nos Estados Unidos, principalmente após a ascensão do presidente norte-americano, Donald Trump, acusado de adotar medidas protecionistas e em plena guerra comercial com a China, por exemplo.

Lehmann, que é também professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP), avalia que “o fato de hoje termos críticas desse modelo ('thatcherista') mesmo pela extrema-direita tem muito a ver com as consequências de um sistema que produziu muitos ‘perdedores’. Há uma corrente política da direita muito mais nacionalista que consegue articular a raiva desses perdedores e exigir mudanças”.

No campo sociopolítico, Margaret Thatcher e Ronald Reagan tiveram como linha de atuação conjunta um misto de pressão e estímulo às reformas no regime comunista de Moscou que culminaram, poucos meses após os fins de seus respectivos mandatos, com a dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e a queda de outros governos de inspiração marxista na Europa.

“Claramente, ela posicionou o Reino Unido muito perto dos Estados Unidos e muito bem encaixado no bloco ocidental”, explica Lehman. O especialista chama a atenção, contudo, que ela não apoiou a reunificação alemã, em divergência com a posição norte-americana.

Guerra das Malvinas e IRA

Para nós sul-americanos, talvez o episódio mais lembrado quando se fala da ex-premiê Margaret Thatcher tenha sido a atuação dela durante a Guerra das Malvinas, travada contra a Argentina. O conflito eclodiu em 1982, no contexto de uma tentativa nacionalista do regime militar de Buenos Aires de reconquistar popularidade e sustentabilidade política que havia perdido, se lançando em uma campanha militar para ocupar as ilhas Malvinas, chamadas pelos britânicos de Falklands. O arquipélago estava e segue sob domínio do Reino Unido, desde 1840.

“Esse conflito a ajudou muito dentro de um contexto de uma forte recessão econômica no país no início dos anos 80. Ela se projetou como uma líder forte que sabia defender os interesses do Reino Unido. Em termos militares, os britânicos sempre tiveram superioridade em relação à Argentina. Houve um elemento de surpresa pois Buenos Aires evidentemente não esperava uma resposta militar tão feroz como aconteceu”, contextualiza Lehmann. A Guerra das Malvinas se estendeu entre os dias 2 de abril e 14 de junho, com esmagadora vitória de Londres e um saldo de 649 militares argentinos mortos, contra 258 britânicos mortos. Além disso, a Argentina perdeu 109 veículos militares, enquanto as baixas do Reino Unido, nesse sentido, foram de 41.

Outro conflito que desafiou os mais de 11 anos e meio de governo Thatcher foi o enfrentamento ao IRA (sigla inglesa para “Exército Republicano Irlandês”), grupo terrorista que atuava pela independência da Irlanda do Norte. Embora, tenha sido contundente em muitas declarações contra o IRA e os atentados promovidos por ele, Lehman afirma que “durante o final dos anos 80, houve contatos entre o governo dela e a IRA, o que deu início a um processo de paz. Mas, ela é lembrada pela postura dura em relação aos integrantes do grupo que entraram em greve de fome em 1981 e morreram. Ela não negociou”.

UE, 'Brexit' e May

Retomando o paralelo histórico entre o Reino Unido da década de 1980 e o da década atual, Margaret Thatcher e Theresa May simbolizam páginas importantes da relação do país com as demais nações europeias, embora em momentos diametralmente opostos. Thatcher governou em um período embrionário do que viria a ser a União Europeia (UE), enquanto May comanda os britânicos no difícil processo de desembarque desse bloco de 28 Estados-membros, o chamado “Brexit”.

Sobre o papel de Thatcher para a consolidação da UE, Lehmann afirma que “ela sempre considerava a Comunidade Europeia como um bloco, principalmente, para promover o livre comercio. É isso que a convenceu a apoiar a criação do Mercado Único Europeu que temos hoje”. Ele lembra, contudo, que apesar de apoiar a integração econômica do continente, “ela brigava fortemente para resistir a qualquer ideia de associar esse livre comércio a outras áreas, como, por exemplo, as políticas sociais. Foram iniciativas nessas áreas por parte da Comunidade e, posteriormente, da União Europeia que a levaram a adotar uma postura muito crítica em relação ao processo de integração regional”.

Comparando diretamente as duas figuras políticas, o especialista em Relações Internacionais avalia que “Thatcher tinha muito mais qualidades de liderança em comparação com May, que se mostra uma líder incapaz de liderar mesmo elementos do próprio partido. No final, o legado da Theresa May será o 'Brexit' e como o país sairá dele, por bem ou mal”.