Caravana de migrantes é uma 'bomba-relógio', diz pesquisadora

Leticia Calderón diz que futuro presidente mexicano López Obrador terá de negociar com Trump

Escrito por Agência Globo ,

Os milhares de imigrantes centro-americanos na fronteira do México levam a questão migratória a um nível inédito, diz a pesquisadora Leticia Calderón Chelius, do Instituto Mora, na capital mexicana. Formada em Ciências Sociais e especialista em imigração, ela afirma que a caravana alcançou visibilidade sem precedentes, "mas o timing é péssimo". 

Como avalia o clima na fronteira após o confronto com os imigrantes? 

Há umas seis mil pessoas na fronteira em Tijuana. Fizeram uma marcha pacífica, mas, depois, cerca de 500 imigrantes tentaram cruzar para os EUA. Obviamente, a patrulha fronteiriça respondeu, com bombas de gás e balas de borracha. Pode ficar pior. Nunca se viu tanta concentração na fronteira nem tamanha tentativa de cruzar em massa para o outro lado. A intensidade e a visibilidade dessa caravana não têm precedentes. Ao mesmo tempo, qualquer um com o mínimo de conhecimento da fronteira Norte sabe que o sucesso da tentativa é improvável. 

Mas o número ajuda a chamar a atenção das autoridades...

Não deixa de ser uma estratégia. A caravana teve um trajeto muito mais seguro e acompanhado do que qualquer outra na História. Mas é muito difícil que consigam dar andamento a um processo de refúgio pela quantidade de pessoas. Há advogados de ambos os lados se oferecendo para agilizar os trâmites. Mas, mesmo que tudo corra perfeitamente, demoraria pelo menos dois anos para que se concluísse uma audiência. O curioso é que, quando a caravana passou pela Cidade do México, foram armadas tendas enormes para oferecer informações sobre as leis mexicanas e as americanas. Incentivaram, inclusive, a que os imigrantes solicitassem asilo no México. Um número muito pequeno aceitou. E o timing da caravana é péssimo. O país está prestes a mudar de presidente. O clima é de limbo de poder. E o tema já chegará como uma bomba-relógio para López Obrador.

Não é a primeira caravana que mira a fronteira. Por que há conflito agora?

Trump é um vilão, certamente. Mas há um cenário que também contribuiu. A caravana atual tem muito a ver com as razões de seus países de origem. Principalmente no caso de Honduras. Não se pode explicar uma coisa sem a outra. As eleições hondurenhas, a crise de violência na América Central, tudo isso influenciou no fluxo de imigrantes em direção à fronteira.

O tratamento dado aos centro-americanos não se assemelha ao que os mexicanos se queixam de receber nos EUA? 

É pior. Mas o tema não são os mexicanos. É a situação de violência no país. Essas pessoas que vêm são muito pobres e vulneráveis, e já cruzam clandestinamente desde o México. Quando entram, as máfias organizadas já as esperam para extorquir, recrutar. Por isso, essa estratégia de vir em massa tem a ver com evidenciar as dificuldades já de passar por território mexicano. E piorou quanto mais ao norte. Pouquíssimos imigrantes ficaram na Cidade do México. Mas em Tijuana estão parados milhares deles, e podem chegar uns três mil mais. É uma situação adversa para a população de Tijuana. Sem contar que o prefeito (Juan Manuel Gastélum, que chegou a pedir a expulsão dos centro-americanos) tem interesses políticos. Haverá eleições locais ano que vem, e ele está usando o tema como Trump faria: para polarizar.

Que efeito teve o envio de soldados americanos para a fronteira?

A ação foi muito criticada. Foi excessiva, não serviu eleitoralmente. Mas agora Trump deve estar feliz, porque é seu discurso transformado em realidade. Ele pode dizer que são "os bárbaros do Sul" que tentam tomar a bonança e a liberdade americanas. 

O que pode mudar com a posse de López Obrador?

Os indicados pelo novo presidente para postos de migração estarão à prova em uma situação muito delicada. Mas podem sair beneficiados pela conjuntura, porque vão se sentar para negociar com Trump não apenas para defender os mexicanos que migram. Poderão dizer: "Tenho um problema, os centro-americanos não aceitaram asilo no México. Querem mesmo ir para o seu país. O que fazemos?". Pela primeira vez, pode haver um entendimento entre os governos mexicano e americano sobre imigração. E, possivelmente, haverá motivação para mudanças na geopolítica da América Central.