Violência obstétrica: dor vai além do parto

Entre os tipos de violência mais comuns estão a agressão verbal e procedimentos desnecessários

Escrito por Redação ,

O esperado dia chegou. A bolsa estourou; corre-corre; pega a malinha do bebê; garante as roupas do pós parto e o principal: a alegria do nascer. Durou pouco. Mal chegou e o médico obstetra mandou calar a boca, dizendo que na hora de fazer não doeu. "Você vem chorar na hora de parir? Deixa de frescura, abre essa perna e bota força". Ao sair da sala de parto, a mãe está destruída. O momento que era para ser especial passa a ser traumatizante. A cena, que virou rotina nos hospitais neonatais públicos e privados, é caracterizada como violência obstétrica, e pode ser física ou verbal.

As elocuções colocadas são relatos das próprias vítimas que, por vezes, nem sabem que estão sendo violentadas. Contudo, todos os atos dos profissionais de saúde durante a gestação, parto e pós parto, que culminem em danos ao bebê ou a mãe, ou que vá contra a vontade dela, são caracterizados como violência obstétrica, desde a falta de atendimento, até a realização de procedimentos sem a autorização da parturiente.

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De acordo com uma enfermeira obstétrica que não quis se identificar, lotada em um hospital público de Fortaleza, os maus procedimentos médicos mais comuns são a agressão verbal e a episiotomia (corte feito entre o ânus e a vagina que supostamente facilita a saída do bebê). "A episiotomia é de rotina, apesar de que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), só deve ser preconizada caso seja realmente necessário. Muitas vezes esse procedimento é feito sem comunicar a paciente, eles simplesmente chegam e fazem sem avisar, não explicam o que é", relata a enfermeira.

Segundo ela, uma das violências mais marcantes que presenciou foi uma agressão física. "Ela estava histérica, no auge da dor. O obstetra gritou com a parturiente, bateu na coxa dela e disse 'deixa eu examinar você'. Ela ficou com medo e a equipe tensa", revela a enfermeira obstétrica.

Aos 17 anos, uma mulher que não quis se identificar, foi vítima de uma episiotomia sem real necessidade e que, segundo ela, mesmo depois de nove anos, a ferida ainda inflama. Além disso, a Manobra de Kristeller (técnica em que a enfermeira pressiona a barriga da parturiente), banida pela OMS, foi solicitada pelo obstetra. "O médico a todo momento me apressava, mandando eu fazer força e pedindo à técnica em enfermagem para subir na minha barriga", relata a mãe.

Além disso, a jovem ainda foi alvo de comentários machistas. "Ele olhou para mim e disse que ia costurar bem minha vagina para não estragar o brinquedo do papai. Depois disso, ele olhou para minha barriga e perguntou o nome do meu filho, eu disse 'Henry'. Aí ele disse assim: Henry estragou a barriga da mamãe", conta.

Denúncia

Uma a cada quatro mulheres sofrem algum tipo de violência durante o parto, segundo a pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo em 2010. Para a supervisora do Núcleo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher (Nudem) da Defensoria Pública do Ceará, Jeritza Braga, o número é apenas uma subnotificação, já que muitas mulheres não sabem que sofreram violência obstétrica. De acordo com ela, não existem registros de denúncia acerca disso. "O desconhecimento é muito grande. Além disso, tem a questão do momento que a mulher está vivendo, depois do bebê a rotina dela muda, muitas vezes não tem tempo para cuidar disso. Naquele momento tão fragilizado, elas não vem à denuncia", lamenta a supervisora. Jeritza enfatiza que devido ao crescimento do número, o Nudem pensa em fazer um planejamento para informar as mães dentro dos hospitais e pedir o auxílio dos assistentes sociais para ficarem mais atentos e encaminharem à Defensoria qualquer caso de violência obstétrica.

Pré-natal

Ter uma boa relação com o médico desde o início da gestação é essencial para que tudo saia como o esperado, de acordo com a ginecologista obstetra dra. Rebeca Dourado. Por isso, é muito importante que ela seja acompanhada por um profissional só. "A paciente precisa confiar no médico, e essa relação é construída durante o pré-natal. Se a relação médico-paciente for quebrada durante as consultas, a mulher deve perceber que o parto não vai ser como ela imaginou", explica a dra. Rebeca.

Para a ginecologista, os abusos vindos dos médicos podem ser por diversos fatores, como a própria personalidade, mas ela destaca a falta de preparo nas universidades. "Vemos ainda uma deficiência desde a base de formação daqueles médicos porque a maioria das faculdades de medicina não tem disciplinas específicas para o lado humano do médico", opina a obstetra.

A reportagem do Diário do Nordeste conversou com quatro mães que sofreram violência obstétrica, tendo todas elas uma coisa em comum: a depressão pós parto. A dra. Rebeca explica que durante o puérperio as mulheres tendem a ficar mais fragilizadas naturalmente e, tendo sofrido uma violência, isso se agrava. "Se ela foi violentada ou humilhada, ela vai ter uma aceitação menor do próprio corpo e das mudanças psicológicas. A mãe precisa ter um aporte emocional maior para prover segurança ao filho, para amamentar, enfim. Além da rejeição ao filho, ela pode ter rejeição à maternidade e ao companheiro que está com ela", explica.

Cesárea x Parto normal

A Organização Mundial de Saúde (OMS) orienta que apenas 15% dos partos sejam cesarianas. Contudo, de acordo com o órgão, o Brasil é o segundo país com maior percentual de partos realizados por cesárea do mundo (55,6%), liderando o ranking na América Latina. Segundo a doula Priscilla Rabelo, as mulheres têm medo do parto normal pelos relatos já escutados no que se refere à violência obstétrica. Contudo, a cesariana traz mais riscos de morte materna além de infecções, hemorragias, além de complicações obstétricas para o futuro. Para o bebê, a cesariana marcadacausa 120% mais chances problemas respirátorios. "O que dá o start para o trabalho de parto espontâneo é a maturação dos pulmões. Quando o bebe está pronto para nascer, ele vai ao trabalho de parto", explica. Contudo, Priscilla explica que a cesarea é uma ótima alternativa, mas que a mulher deve ser informada sobre a prática. "É muito importante buscar informação sobre a gravidez, é importante que ela tenha consciência que é uma experiência dela. Para os profissionais, é só mais um parto, mas pra ela, é o dela. É importante que a mulher saiba que ela tem escolhas e impor isso", aconselha. (Colaborou Ana Cajado)

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