Verde e amarelo pintam ruas da Capital para Copa

Antes de a competição começar, o primeiro drible é no pessimismo, que sucumbe à união das comunidades

Escrito por Theyse Viana - Repórter ,

Foi mesmo "paia", aquele sete a um. "Tu é doido, mah, foi humilhação demais!", como diz o povo. Virou até padrão para descrever as rasteiras que a vida dá, vez ou outra. Afinal, tem fase que parece um pouco com aquele 8 de julho de 2014, e todo dia é um sete a um diferente. Apesar disso, enquanto a memória alimenta a desesperança de um lado, impulsiona a driblar o pessimismo do outro - a duas semanas do primeiro jogo do Brasil na Copa do Mundo da Rússia, a tradição verde-e-amarela já emerge e colore as ruas de Fortaleza de cima a baixo, das bandeirinhas que flamulam no céu às pinturas que entapetam o asfalto.

Alguns se antecipam, outros correm contra o tempo para personalizar os muros ou a fachada de casa. Para o aposentado Antônio Milton Ferreira, 68, o tempo do feriado de ontem, dia de Corpus Christi, foi investido em preparar o ambiente para a chegada dos jogos - mesmo sob o sol de quase meio dia, a tinta branca reluzia no asfalto da Rua Felipe Camarão, no bairro Cristo Redentor, fazendo base para estampar as formas verde, amarela, azul e branca que compõem a bandeira nacional. "Nós tamo com fé que vai ganhar, né? Torcida não falta não!", brada, recebendo da esposa, Rita de Cássia, 71, um balde de água fria.

"Esse Neymar tá ficando muito artista, tô com mais fé nos mais simples, como o Paulinho. E mesmo assim, sete a um pode até não ter, não tem perigo. Mas acho que a Alemanha é muito boa, ganha de todo jeito", prevê a aposentada, iniciando, entre risadas, uma discussão com o marido patriota.

União

Lá pela Rua Jaguaribe, no bairro Aldeota, aliás, os preparativos começaram há quase um mês. Afinal, "é o ritmo da Copa, e apesar de tudo ainda somos brasileiros", como justifica a dona de casa Aparecida Garcia, 58, uma das mais de 20 pessoas que uniram as tirinhas de plástico ao barbante para interligar os dois lados da via - e esse é só o começo para a palavra-chave da comunidade, união, ser ainda mais fortalecida. "Cada um deu 10, 20 reais, deu o tanto que pode pra enfeitar a rua. Nos dias de jogo, a gente bota um telão aqui e todo mundo assiste junto!", anima-se Aparecida.

Parece mesmo regra inviolável, sob ameaça de cartão vermelho, essa coisa de trabalhar junto para ver a rua caricaturar a bandeira do País. Porque é assim, perto, dividindo o churrasquinho, o balde de pipoca e os litros de refrigerante que trabalham com habilidade as mãos dos moradores da Rua Tenente Amauri Pio, no Meireles, cujo chão se agita com as sombras dos metros e metros de bandeirinhas, lado a outro. O material, comprado com a cota de R$ 10 recolhida entre todos, vem do Centro da cidade pelas mãos da comerciante Irismar Maria, 44, dona de olhos que não dissimulam a empolgação pela chegada do mundial - e nem é tanto pelo futebol.

Memória

"A rua fica animada já nos preparativos, é muita folia! Mesmo depois dessa Copa passada, querendo ou não, somos brasileiros. E é assim mesmo, em todo jogo alguém tem que ganhar ou perder, né? A gente tem que participar e ser positivo", sorri Irismar, que além de articular toda a ornamentação da rua, juntou todo mundo também para confeccionar camisetas personalizadas do "Beco do Cajueiro", como a rua é conhecida, uniforme para mais de uma comemoração. "Na verdade, a gente se une mesmo é em toda festa, sabe? Mas agora, com Copa e São João, a harmonia é maior ainda!", comemora ao lado do marido, o ex-jogador de futebol Ribamar da Silva, 42 - que vê memória afetiva e amor ao esporte se avivarem ainda mais com a chegada da competição mundial.

"Eu creio que a melhor forma de driblar toda essa dificuldade, toda a confusão que o País tá passando, é mesmo a união. E a Copa é uma coisa que mexe com a gente. Mesmo numa crise como essa, todo mundo se ajuda. Tem até um trio que desce aqui a rua, em dia de jogo!", orgulha-se o paraense, que embora carregue no currículo passagens por clubes como o conterrâneo Remo (PA), o potiguar América de Natal (RN) e uma equipe paulista, radicou-se mesmo foi no Ceará, fincando as travas da chuteira no campo do Ferroviário.

Fé no hexa

Mesmo tendo apenas metade da idade de Ribamar e vivido apenas cinco das dez Copas do Mundo que o ex-atleta viveu, o barbeiro Matheus Paes, 21, consegue concentrar o dobro da paixão pelo esporte e o mesmo apego pela Copa do Mundo - contrariando, porém, a expectativa geral dos jovens da mesma faixa etária. "O Neymar tem a importância dele, né? Mas não aposto só nele. O grande nome da Copa vai ser o Douglas Costa! E o Gabriel Jesus também", aponta, transformando a ansiedade em análise técnica.

O gosto pelo esporte se reflete, além da avaliação, no sorriso que não cessa ao falar da decoração da Rua Camélia, onde mora, no bairro Cristo Redentor; que Matheus se orgulha de ter idealizado e "feito acontecer". "Muitas pessoas estão desacreditadas de que a Seleção pode ganhar. Se você rodar no bairro, não tem nenhuma rua enfeitada além da minha. Mas é uma tradição que a gente gosta de botar pra frente, é o futebol que nos move", sentencia, já preparado para "ficar até meia noite" amarrando bandeirinhas ao barbante para completar o pedaço de céu da Rua Camélia ainda descoberto. "E se o Brasil ganhar, a decoração vai ficar aí até cair", garante.

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