Reduzir número de cesarianas é desafio de gestores públicos

Escrito por Redação ,
Desinformação, medo e dificuldades colocadas pelos médicos impedem que as mulheres tenham parto normal na Capital

Após nove meses de gestação, a analista de sistemas Esmênia Coutinho, 27, conta que, neste ano, passou por uma das experiências mais intensas de sua vida: dar à luz seu primeiro filho. Diferentemente da maior parte das mulheres, o seu parto ocorreu da forma mais natural possível. Em casa, na companhia do marido, de uma enfermeira obstetra e uma doula. "Não sabia que podia ter parto normal em casa, imaginei que teria de ser no hospital. Procurando na internet informações sobre partos normais, encontrei referências de doulas e parto humanizado. Me apaixonei, vi que era exatamente aquilo que eu queria".

Mulher dá à luz seu quinto filho na Meac, todos de parto normal
Foto: Alex Costa


Entretanto, a grande maioria das mulheres - seja por opção, desinformação ou em decorrência das dificuldades colocadas pelos médicos - não têm oportunidade de passar pela experiência de Esmênia. "Os médicos tentam minar a coragem da gente. No início, ele disse que faria o meu parto normal, mas ao longo dos meses ficava me fazendo medo, dizendo que o bebê estava grande, que eu era corajosa, pois sentiria muita dor. Tudo na tentativa de me desencorajar".

Cesáreas

Em Fortaleza, as cesarianas - que apresentam riscos tanto para a mãe quanto para o bebê - vêm sendo realizadas de forma indiscriminada. De janeiro a julho deste ano, 6.628 partos foram registrados, sendo 3.535 normais (53,3%) e 2.999 cesáreos (45,2%), conforme a Secretaria Municipal de Saúde (SMS). A média é superior à nacional, que teve 40% (756.403) dos partos cesáreos e 60% (1.130.440) normais, de acordo com o Ministério da Saúde.

Já os óbitos maternos da Capital somam 23, até julho deste ano, o que dá uma média de três mortes maternas por mês. Em todo o Ceará, foram confirmadas 56 mortes maternas de janeiro a agosto deste ano. Entretanto, Manoel Fonsêca, coordenador de Promoção e Proteção à Saúde da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) esclarece que esse número é maior, já que muitos óbitos ainda serão notificados.

Conforme o gestor, a morte materna está associada à eclâmpsia gestacional, cesarianas e ao uso indiscriminado de ocitocina. "O parto deixou de ser um momento da mulher para ser um procedimento cirúrgico. E isso tem várias implicações, tanto para a mãe quanto para o bebê". Entre os problemas que a cesárea feita em série traz, Fonsêca cita o risco de infecção pós-parto e embolia pulmonar, que geralmente levam à morte da mulher.

O coordenador da Sesa frisa que, mesmo no setor privado, no qual mais de 90% dos partos são cesarianos, é muito comum que o bebê tenha que ser oxigenado, pois nasceu antes do tempo. Com exceção do Gonzaguinha de Messejana, da Maternidade Escola Assis Chateaudbriand (Meac) e do Hospital César Cals, acrescenta o gestor, geralmente as salas de pré-parto são coletivas, o que impede que a gestante seja acompanhada por um familiar ou pelo marido.

Outro fator que preocupa é o uso de ocitocina sintética de forma indiscriminada, com intuito de acelerar o trabalho de parto. Fonsêca afirma que ela pode provocar insuficiência respiratória no bebê, porque toda vez que o útero contrai, também contrai a placenta e os vasos sanguíneos que levam sangue para o bebê. Dessa forma, ele pode entrar em sofrimento fetal. Estudo realizado pela Sesa aponta que quem morre de parto são as mulheres pobres e negras. "Mulher não tem que morrer de parto. O desafio é grande. É preciso fazer uma revolução nessa área para reduzirmos os altos índices de mortalidade", ressalta Fonsêca.

Rede Cegonha

Com o objetivo de incentivar o parto normal humanizado, o governo federal lançou, em 2011, a Rede Cegonha - uma estratégia de que visa intensificar a assistência integral à saúde de mães e filhos desde o planejamento reprodutivo, passando pela confirmação da gravidez, pré-natal, parto, pós-parto, até o segundo ano de vida do filho.

O Ministério da Saúde ressalta que também trabalha para promover a redução do número de cesáreas realizadas sem indicação, ou seja, desnecessárias, fortalecendo as ações de valorização do parto normal junto à Agência Nacional de Saúde Suplementar, propondo a revisão dos currículos acadêmicos e dos programas de residência junto ao Ministério da Educação e realizando campanhas educativas e de sensibilização das mulheres.

Com o aumento da procura por partos humanizados e a partir de relatos de violência obstétrica, o assunto se transformou em filme. "O renascimento do parto", lançado neste mês, em Fortaleza, busca retratar a realidade obstétrica brasileira, caracterizada por um número alarmante de cesarianas ou partos com intervenções traumáticas e desnecessárias. Através do relato de alguns dos maiores especialistas e de recentes descobertas científicas, o documentário questiona o modelo obstétrico atual e promove reflexão acerca do novo paradigma do século XXI e o futuro de uma civilização nascida sem os "hormônios do amor", liberados apenas em condições específicas de trabalho de parto.

Procedimentos cirúrgicos predominam

Voltado exclusivamente para o universo feminino, o Hospital da Mulher trouxe esperança para o fortalezense. Foi grande a expectativa depositada no equipamento, inclusive, de que ele absorveriam maior parte dos partos da Capital. No entanto, dados da Secretaria Municipal de Saúde apontam que dos 518 partos realizados neste ano, na unidade, 352 foram cesáreos (68%) e 166 normais (32%).

Construído especialmente para as mulheres, o Hospital da Mulher, ao contrário do que se imaginava, não absorveu os partos de Fortaleza Foto: Waleska Santiago

Chama atenção que dos 179 leitos que o Município oferece - de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal (20), UTI intermediaria neonatal (28) e leitos de obstetrícia clínica e cirúrgica (131) - apenas seis são de parto humanizados. A Capital dispõe de mais quatro unidades: Hospital Distrital Gonzaga Mota Barra do Ceará, Hospital Distrital Nossa Senhora da Conceição, Hospital Distrital Gonzaga Mota José Walter e Hospital Distrital Gonzaga Mota Messejana.

Lea Dias, articuladora da área técnica de Saúde da Mulher da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) explica que o Hospital da Mulher não possui emergência obstétrica como as demais maternidades, funciona com leitos de retaguarda. Portanto, os casos encaminhados à unidade são complexos, por isso o alto índice de cesáreas. "Estamos trabalhando as diretrizes da Rede Cegonha, com as boas práticas ao parto, incentivo ao parto normal e inserção do acompanhante. Sem falar que a mulher pode parir na posição que quiser".

Referência no atendimento à gestante, a Maternidade Escola Assis Chateaudbriand (Meac) realizou, de janeiro a agosto deste ano, 2.683 partos, sendo 1.328 normais (49,4%) e 1.533 cesáreos (50,5%). Neste mesmo período, ocorreram sete mortes maternas. Carlos Augusto Alencar Júnior, diretor da unidade, esclarece que vários fatores estão envolvidos na morte de uma mãe. Começa pelo pré-natal, que existe, mas não tem qualidade, e culmina no parto e na dificuldade de a paciente ser admitida, porque a rede é lotada.

"Em vários locais, a paciente não consegue acesso fácil, principalmente a que tem maior gravidade e precisa de um hospital especializado. No Interior, ainda não temos estrutura adequada para dar suporte às pacientes mais graves. Com isso, a Meac acaba absorvendo essa demanda", afirma.

Para o gestor, cada morte materna representa uma catástrofe social. "A gente acaba perdendo a mãe, mas a gente deixa um pai sem a esposa, um filho sem mãe, um crescimento sem determinada condição. Acaba virando uma catástrofe, pois vou ter problemas em toda aquela geração de filhos que ela já teve e que ela está tendo agora", destaca.

Por isso, ele defende a importância de ter uma rede adequadamente montada, com assistência adequada ao parto e fácil acesso da paciente às instituições de saúde.

LUANA LIMA
REPÓRTER

OPINIÃO DO ESPECIALISTA

Brasil é o país campeão de cesarianas

A assistência obstétrica no Brasil segue um modelo biomédico e tecnicista centrado em intervenções, sendo assim é o país campeão de cesarianas no mundo, com índices que chegam a 52% no sistema público e 92% no sistema privado de saúde. Isso se deve a aspectos multifatoriais, destacando-se a falta de interesse do profissional médico em realizar o parto normal, já que este pode demorar muitas horas desde o início do trabalho de parto até o período expulsivo; e o pedido pela cesariana feito pelas mulheres que, em sua maioria, desconhecem os benefícios reais do parto normal e, influenciadas pelo aspecto cultural, aceitam passivamente a cesariana, como se o "normal" fosse parir dessa forma.

Os setores da sociedade civil organizada já despertaram para a mudança urgente do paradigma da assistência obstétrica. Porém, ainda há muito a realizar para se chegar aos 15% aceitáveis de cesariana preconizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). É preciso mais do que Políticas Públicas de Saúde bem delineadas, como a Rede Cegonha, que preconiza uma assistência obstétrica mais humanizada e de qualidade, há a necessidade de uma reforma obstétrica com penalizações definidas para as instituições e profissionais que ultrapassarem as taxas estabelecidas.

O novo modelo obstétrico proposto preconiza um modelo individual de atendimento, que respeite a mulher em sua plenitude e seu direito de fazer escolhas de como, onde e com quem parir. Nesse modelo há a inserção de outros profissionais no cenário do parto, como os enfermeiros obstetras e obstetrizes, com respaldo técnico e legal para a execução do parto normal de baixo risco. Investimentos devem ser realizados, sobretudo, em uma assistência pré-natal de qualidade que não esteja centrada apenas nos aspectos biológicos.

Karla de Abreu Peixoto
Presidente da Abenfo-CE
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