Recusa de dinheiro em ônibus fere direito do consumidor

Atitude é considerada contravenção penal e está sujeita a multa, segundo a legislação brasileira. Atualmente, 14 linhas de Fortaleza utilizam apenas o crédito eletrônico como forma de cobrança

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@diariodonordeste.com.br

No fim de outubro, a Prefeitura de Fortaleza iniciou o projeto de operação de linhas de ônibus com uso exclusivo de crédito eletrônico - hoje, já são 14 itinerários dentro do esquema. Nesse tempo de funcionamento, usuários vêm reclamando da negativa do pagamento em dinheiro.

Segundo órgãos de defesa do consumidor, a "recusa de moeda de curso legal" se enquadra como contravenção penal, é abusiva e fere os direitos dos usuários. Diariamente, o transporte público de Fortaleza é utilizado por mais de 1 milhão de pessoas.

O caso é tipificado no artigo 43 da Lei das Contravenções Penais, e a punição é o pagamento de multa. De acordo com Sávio Aguiar, presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), esse tipo de conduta condiciona o usuário à aquisição de um novo produto ou serviço. Ele orienta ao consumidor que se sentir prejudicado procurar o Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon) ou o Procon "e faça a denúncia para que medidas possam ser tomadas".

Na prática, passageiros reclamam que o único aviso para as novas linhas é o adesivo no vidro dianteiro dos veículos. Assim, muitos que não possuem ou esqueceram os cartões eletrônicos embarcam e são obrigados a descer. Outros recorrem à solidariedade ou à compra de créditos de outros passageiros.

Constrangimento

A artesã Liliane dos Santos foi uma das prejudicadas pela nova modalidade ao tentar embarcar num ônibus da linha 050 - Siqueira/Papicu/Washington Soares. "Estava na parada com duas mochilas e não pude pegar porque só aceitava cartão. Eu com dinheiro, pronta pra vir trabalhar. É um absurdo você ser obrigado a adquirir um cartão que às vezes você nem tem o costume de usar frequentemente", critica.

Na opinião do ambulante Welton de Sousa, a exigência do passe eletrônico constrange principalmente pessoas de outras cidades cearenses e até mesmo turistas oriundos de Estados diferentes, como ele já presenciou. "Outra vez, seis pessoas reclamaram porque foram obrigadas a descer. Elas ficaram indignadas querendo apedrejar o ônibus", relata.

Quando o projeto foi anunciado, a Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor) alegou que a medida "tem como objetivo testar a tecnologia para uma maior agilidade no embarque e desembarque, aumentando, assim, a velocidade dos coletivos, além de reduzir o dinheiro a bordo". A justificativa é a insegurança e os constantes assaltos ao transporte público.

O Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Ceará (Sindiônibus) afirma que o plano contribuiu para a redução do número de assaltos a coletivos em Fortaleza, neste ano. De janeiro a novembro, houve 1.239 assaltos, contra 2.261 em igual período do ano passado - uma queda de 45%.

Operação

Por outro lado, o Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários (Sintro) aponta que a decisão gera a demissão de cobradores. Segundo o presidente Domingos Neto, desde o dia 29 de outubro, foram mais de 75. A imprecisão se dá porque "quem tem menos de um ano não passa pela homologação do Sindicato". Funcionários têm feito manifestações contrárias à extinção da função em diversos terminais.

O gerente de operações do Sindiônibus, João Luís Maciel, reitera as vantagens e defende a ampliação do novo sistema. "Estamos estimulando o uso do crédito eletrônico, mas vamos continuar recebendo passagem em espécie. Todas as linhas oferecem essa opção, mas entendemos que o crédito é uma maneira mais segura", explica.

Conforme o Sindiônibus, nas linhas afetadas pela mudança, mais de 70% dos usuários não utilizam dinheiro como pagamento. Quanto às demissões, o representante do Sindiônibus afirma que é "perfeitamente normal no nosso setor". Segundo Maciel, mais de 13 mil pessoas estão empregadas no transporte; sendo em torno de 3.800 cobradores. "Trata-se de uma rotatividade normal", diz.

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