Profissionais que lidam com a morte compartilham crença na vida

Tanatopraxistas e coveiros vivenciam uma rotina de contato direto com um dos temas mais amedrontadores para o ser humano: o morrer. Apesar da naturalização do trabalho, sensibilidade e emoção os fazem repensar atitudes e assumir novas posturas no cotidiano

Escrito por Nicolas Paulino , nicolas.paulino@diariodonordeste.com.br

É dia. A clínica de somatoconservação no Joaquim Távora recebe um corpo - um dos 300 que atende por mês - para cuidar. O nome difícil, sinônimo para a também complicada tanatopraxia, agrega o conjunto de técnicas utilizadas para higienizar, reconstruir a fisionomia e conservar um corpo humano morto.

Propulsor do serviço no Ceará, o tanatopraxista Arlindo Névoa, 62, se estabeleceu há 15 anos na Capital, depois de décadas de serviço em São Paulo. Ainda criança, transitava em cemitérios e funerárias atrás do avô, diretor de uma unidade do Instituto Médico Legal (IML). Tanto tempo lidando com a morte, garante, permitiu-lhe rever atitudes.

"A gente passa a ter mais amor pela vida. Se soubessem como nosso corpo é bonito, a perfeição como funciona, as pessoas passariam a se amar mais, a se cuidar mais", revela Arlindo, que evita bebida e noitadas porque conhece bem os problemas de saúde que vitimam tantos clientes.

A esposa dele, Nazaré Névoa, também atua no setor funerário há 21 anos. Antes, tinha receio de velórios, mas se acostumou após empregar-se na área. "Eu vi que era um medo sem fundamento. O que aquela pessoa pode fazer de mal para mim? É tanto que, durante esse tempo, nunca vi negócio de alma", garante.

O ambiente da clínica lembra um estabelecimento de saúde comum: área restrita, paredes brancas, mania de limpeza. O que pode pegar os desprevenidos é a antessala, onde uma tampa de caixão aguarda o corpo em tratamento. Num canto, ramos de crisântemos brancos esperam o término da higienização, necromaquiagem e vestimenta do homenageado, um idoso, para adornarem a urna.

"Para os familiares, fica o conforto de receber o ente querido o mais natural possível para evitar constrangimentos durante o velório", afirma Nazaré.

Entardece

Célio Nascimento, 48, carrega a pá nos ombros, pronto para pôr os músculos dos braços e das costas em ação escavando o solo ressecado do Cemitério do Bom Jardim. Coveiro durante metade da vida, demonstra que a morte não o tornou insensível. "A pessoa ainda é humana, a gente vê criança chorando. Aqui e acolá, eu ainda me emociono", afirma.

Crente na presença espiritual de pessoas que já partiram, conta que só teve contato com o sobrenatural uma única vez. "Não vou mentir. Era 12 horas, vi uma mulher loura. Quando olhei de novo, não achei mais. Cacei no banheiro, em todo canto, mas nunca encontrei". Mas queremos saber: que mensagem você deixa para os vivos?

Entristecido, o coveiro diz ter pena dos jovens. "Dificilmente, a gente enterra um velhinho, de morte natural. A maioria é novinho". Segundo ele, grande parte envolvida com o tráfico de drogas. As histórias são muitas, mas já vai saindo outro cortejo fúnebre - um dos sete, no mínimo, em que ele atua todo dia. Por mais que algumas famílias não queiram, e chorem, e esperneiem, ele precisa sepultar.

Anoitece

O escuro enche o peito e nubla os pensamentos. É tempo de luto. Para Nazaré Névoa, cada um escolhe como vivê-lo. "É importante que as pessoas possam, mesmo com medo, se informar mais. Algumas entram nele e nunca mais saem, porque vêm muitos arrependimentos e isso traz sofrimento eterno. Se souberem mais, só vai ter a saudade, e não remorso, ressentimento e culpa. Assim, talvez, o luto passe mais rápido", recomenda.

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