Professor tem de ser uma profissão, não "bico", diz especialista

Indicando a Educação Básica como o grande gargalo do País, Cláudia Costin critica a demora na aprovação da Base Nacional Comum Curricular e defende mudanças na formação de professores, hoje "excessivamente teórica"

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@diariodonordeste.com.br

Claudia Costin é uma das maiores especialistas em educação do Brasil. No currículo, tem cargos como diretora global de educação do Banco Mundial, secretária Municipal de Educação do Rio de Janeiro, secretária da Cultura do Estado de São Paulo e titular do Ministério da Administração. Atualmente, é professora universitária da Fundação Getúlio Vargas (FGV), onde dirige o Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais. Em entrevista ao Sistema Verdes Mares, ela revela inquietações com os rumos da educação do País.

Como deve ser a escola do século XXI?
Uma escola onde todos aprendam, não só os mais brilhantes; que personaliza muito mais o processo de ensino, ou seja, adapta o ritmo e o estilo aos interesses e às deficiências que eventualmente algum estudante traz; que ensina resolução colaborativa de problemas, uma das competências mais significativas pensando no futuro do trabalho; que ensine a pensar, não só a memorizar fatos; que tenha experimentação, em que se aprende fazendo; e com professores respeitados e valorizados.

Em que competências cognitivas o Brasil está atrasado?
Temos estudos que mostram que nossos jovens de 15 anos são incapazes de ler um texto e extrair informações importantes. Isso leva a pouco pensamento crítico, que demanda capacidade de leitura e interpretação mais avançadas. No raciocínio matemático, a gente sabe decorar fórmulas e fazer exercícios, mas não pensar matematicamente. É preciso desenvolver uma mente investigativa, que é a base de todas as ciências.

Como motivar crianças e jovens diante de condições adversas?
O meio influencia muito o quanto a gente desenvolve de potencial, mas quando os professores apostam nos alunos, eles crescem muito mais. Quando você coloca os melhores professores e recursos nas escolas mais vulneráveis, o desempenho cresce imensamente.

Se essas escolas estão em áreas desafiadoras, precisamos criar um sistema competente de reforço escolar que realfabetize os analfabetos funcionais e lide com a distorção idade-série.

Que professor o século XXI demanda?
Não mais um mero fornecedor de aula. Ele passa a ser assegurador de aprendizagem. Eu não dou mais aquela aula estritamente expositiva, escrevendo no quadro, mas uma muito mais engajadora, em que o aluno é protagonista de seu próprio processo. O professor tem condições de avaliar como cada um está se desenvolvendo e de qual suporte deve ser usado naquele que precisa de ajuda adicional.

Professores são reverenciados no Japão, mas no Brasil chegam a ser agredidos na sala de aula. Como estimulá-los?
Há uma questão cultural atrelada. É difícil replicar o que acontece nos países orientais, mas é fundamental melhorar os salários e, em vez de contratar o professor para 10 ou 16 horas - o que fortalece uma visão absurda de que ser professor é "bico" -, contratá-lo para 40h, e numa única escola, para ele não ficar percorrendo bairros ou cidades, seja no ensino público ou privado. Professor tem que ser uma profissão!

A formação do professor deve ser revista?
Hoje, com os baixos salários e a baixa respeitabilidade social com a profissão, são os alunos com pior desempenho que acabam entrando porque o vestibular não é tão competitivo.

No Chile, se exige uma nota mínima para fazer Faculdade de Educação, ou seja para que a profissão seja de desejo, e não vista como algo fácil de entrar. No fim do curso, ele também precisa entregar um portfólio com trechos de aula que deu ainda como aluno.

E em questão de currículo?
Diferentemente de outros países, o Brasil tem um curso excessivamente teórico de formação. Ninguém vira médico estudando só história, filosofia ou sociologia da Medicina. Eles discutem casos desde o primeiro ano. Já os professores têm uma carga elevadíssima de teoria e quase nada de prática. Precisamos mudar isso, senão nos tornaremos professores muito divorciados da realidade do chão da sala de aula.

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