Os desafios e encantos dos artistas de rua de Fortaleza

Os artistas de rua são reis em dar vida e cor em meio a pessoas cinzas normais em um cenário cosmopolita

Escrito por Redação ,
Legenda: Com a cadela Jaspe, o venezuelano deixou a cidade natal, Caracas, em nome do amor e em nome da arte. Em nome do amor à arte Naja usa os dedos para simplesmente pintar. Autodidata, aperfeiçoou sozinho sua arte
Foto: Fotos: Saulo Roberto

Em comparação, a vida deu uma leve melhorada para Yorge Luís, artista que representa uma estátua viva por ruas e praças. O movimento do ofício é pouco, por vezes nenhum, os da vida, por outro lado, são de chacoalhar. Com a cadela Jaspe, de raça que transita entre pinscher e pequinês, o venezuelano deixou a cidade natal, Caracas, em nome do amor e em nome da arte. Em nome do amor à arte.

"Lá a situação era bem difícil, a arte é desvalorizada e você sempre tem que conciliar com outra coisa, se não, não rola. Eu basicamente comia uma vez por dia", se emociona. A família permanece na Venezuela, bem como parte do coração do artista que, parado, recebe sem implorar a atenção de quem para, na Praça do Ferreira ou Praia de Iracema.

Eles são inúmeros e, por tamanha flexibilidade, incontáveis. Chefes ou horários definidos não existem. Os artistas de rua são reis em dar vida e cor em meio a pessoas cinzas normais que, em um cenário cosmopolita qualquer, se apressam em viver a vida. "Bom mesmo é não ter um contrato, porque assinar com uma empresa é assinar sua escravidão. E eu não quero isso", destaca Paulino Hans, ou seu personagem, Ali Rabat.

Paulino é formado em Administração mas se encontrou onde nunca pensara. Começou por hobby, fazendo cover do cantor Cauby Peixoto. Até que levava jeito, diziam os que escutavam. Ele ouviu e se fez artista. Ali Rabat, hoje, vende seus CDs por R$5 na Praça do Ferreira, composto por mais covers e letras autorais, que são sátiras sobre cornos e políticos corruptos.

Para a Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (Secultfor), entre estes e artistas "de estúdio" ou de TV não há diferença. Todos podem ser contemplados com os diversos projetos e editais públicos de fomento a bandas, blocos de rua, agremiações, pareceristas, dentre outros. Informação que, talvez, não chegue com tanta precisão aos ouvidos dos artistas de rua de Fortaleza.

Ou talvez chegue, preferindo eles ficarem com a caixinha que traz "colabore aqui" escrito. "É muito instável. Tem dias que se ganha muito, tem dias que se ganha pouco. Mas a gente se diverte. E diverte quem passa", reforça Paulino Hans. "É bem melhor que no meu próprio país, tá dando pra pagar aluguel e a ração da Jaspe", complementa.

A Secretaria Municipal dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS) e a Regional do Centro foram contatadas pela Reportagem, e indagadas sobre o incentivo que estes artistas recebem. As duas pastas informaram que não têm nenhuma ação nesse sentido.

Pintar

Não que precise. Euclides Ramos, o pintor Naja, usa os dedos há 30 anos para simplesmente pintar. Autodidata, aperfeiçoou sozinho sua arte. Não faz a mínima ideia de quantos quadros pintou ao longo da vida e ao redor de todas as cidades que passou.

Está em Fortaleza há dois meses e pretende passar mais dois. As paisagens, belas representando dia ou noite, são em cerâmicas que podem ser levadas para casa por qualquer transeunte da Praça do Ferreira por R$15.

O pintor tem uma licença doada pela Central de Artesanato Luiza Tavora (Ceart), assinada pelo governador do Estado do Ceará, autorizando a atuação do artista em todas as praças alencarinas. "A arte pode até ser mais valorizada atualmente, mas se eu sair hoje do Ceará, quando voltar, preciso pegar essa autorização novamente. Essa agora só vai até janeiro de 2019", conta o artista que já foi funcionário público municipal, estadual e federal. O plano agora é parar, mesmo sobre o semblante triste de quem ouve a notícia.

A dançarina Maya, no entanto, pensa diferente sobre o futuro. "Eu só quero crescer mais e virar uma artista acessível. Quando meus fãs me pedirem fotos eu vou tirar fotos", diz. Virou artista inspirada numa banda peruana, vive há três anos bailando seja em funk, em romântico ou em forró. Vai casar num veleiro em alto mar, que, segundo ela, até casamento deve ser arte. (Colaborou João Duarte)

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