Socióloga abandona doutorado para se dedicar a pessoas em situação de rua em Fortaleza

A missionária Lilian de Maria oferece, gratuitamente, refeições nas praias de Iracema e do Mucuripe, e acompanha os grupos em consultas médicas

Escrito por Redação ,

A Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que "toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis", entretanto, basta andar pelas ruas da capital cearense para constatar que nem todos podem usufruir da política pública da mesma forma. De acordo com o último Censo Municipal de Pessoas em Situação de Rua, feito pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos, Desenvolvimento Social e Combate à Fome (SDHDS), em 2015, haviam 1.718 pessoas nestas condições.  

Há cerca de cinco anos, a missionária Lila de Maria, 49 anos, doa parte do tempo cumprindo o que denomina ser um "chamado de Deus". Prestes a viajar para a Inglaterra, onde faria um doutorado, ela lembra que um sinal divino a fez permanecer no Brasil desempenhando ações de caridades aos mais necessitados. Sem apoio de órgãos públicos ou empresas privadas, Lila de Maria fornece, semanalmente, comida para as pessoas que vivem em situação de rua nas praias de Iracema e do Mucuripe

A socióloga rememora que começou a fazer almoços nos bairros Parquelândia, Rodolfo Teófilo, Otávio Bonfim, além do Pólo de Lazer da Sargento Hermínio, decidindo cessar as ações por conta de uma situação desagradável. "Quando fazia e doava as refeições nestes bairros, cheguei a apanhar de uma pessoa que fazia parte do grupo, mas que não estava em situação de rua. Por causa disso, parei, porque os outros queriam matá-lo", diz 

Posterior ao acontecido, ela revela que escolheu praticar as benfeitorias na Praia de Iracema por conta da segurança que há no local. "Aqui tem câmeras de videomonitoramento e equipes policiais. Então, achei que era mais seguro". Além das patrocinar as refeições, visando aferir o estado de saúde de todos, periodicamente a missionária leva os grupos para consultas médicas. "Pago com o meu bilhete único. Se não tiver créditos, vamos a pé. Todos vão limpos e cheirosos, por conta da questão da autoestima e pelo respeito que eu tenho aos profissionais que os atendem. Às vezes eu levo bolos para agradar os médicos".

Invisibilidade

Lila de Maria destaca que o objetivo das ações é "tornar visível o que é invisível para a sociedade". "Todo o meu conhecimento eu ponho só à disposição dele. O meu almoço não é para encher o bucho, e sim a cabeça de informação, de consciência de direitos, de respeito. A Prefeitura de Fortaleza dá acessibilidade física, e eu a social", assegura, afirmando gastar R$ 100 por dia, fora os materiais descartáveis. "No último domingo eu saí da Praia de Iracema às 23h. Tem um senhor de 70 anos de idade que está cego, e ninguém me ajuda a abrigá-lo em algum lugar. Eu não tenho dinheiro para pagar uma pousada", declara.

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Embora sinta-se realizada, a socióloga externa que, por conta de algumas situações adversas, cogita não seguir em frente com o projeto. "À noite, eu penso em desistir, e me liga uma travesti de madrugada dizendo que me ama, pedindo que eu continue. É o que me faz continuar. Algumas coisas me fazem pensar isso, mas é amor demais. É uma via de mão dupla. Não acho que ajudo mais do que eles me ajudam. É uma troca, um exercício de caridade, paciência e amor". 

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