ONGs perdem em doações e inovam em estratégias

Escrito por Redação ,
Para driblar a queda nas doações, ONGs fazem bazar, feirões e aderem à campanha da nota fiscal e da conta de luz

Organizações Não Governamentais (ONGs), muitas das quais atuando na filantropia e exercendo em Fortaleza papel importante no que se refere à prestação de serviços em áreas como saúde e educação, atravessam uma crise oriunda da queda das doações. E, visando suprir o déficit dos recursos da caridade, elas inovam em estratégias diversas para sair do vermelho.

As promoções vão desde as pequenas iniciativas como gincanas ou bazar de novos e usados, a ações que possibilitam a arrecadação de um montante capaz de tirar as finanças do sufoco por tempo considerável. Este é o caso dos feirões que comercializam produtos importados contrabandeados apreendidos pela Receita Federal. Nessas estratégias, destacam-se, ainda, promoções como Sua Nota Vale Dinheiro ou doações feitas no pagamento da conta de energia elétrica.

"Vivemos uma crise de doações", admite o presidente do Instituto de Prevenção à Desnutrição e à Excepcionalidade (Iprede), o médico pediatra Sulivan Mota, ressaltando, ainda, sua preocupação em implantar nessa ONG atividades para torná-la autossustentável, tais como a Cozinha Industrial e a Clínica de Saúde para Atendimentos Populares. "Pretendemos vender algo como 25 mil refeições ao dia", esclareceu, acrescentando que o projeto da clínica popular prevê a oferta de serviços a preços mais acessíveis.

Fundado há 26 anos, o Iprede foi mantido, à princípio, pelo Hospital Albert Sabin. No 15º ano de existência, veio o credenciamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), cobrindo 15% do seu custo fixo. O restante era custeado por doações. Mais adiante, a ampliação do SUS passou a cobrir 30% do custo fixo e foi criada uma série de meios para custear mais 25%, assim como aumentou o custo fixo devido à ampliação das ações.

Produção

Atualmente, explica o presidente, a produção de recursos representa 55% das despesas do Iprede, ficando 45% a serem custeados por doações, que chegam a 25% dos gastos, permanecendo 20% descoberto ao mês. "Quando a situação está muito crítica, a Receita Federal nos cede os produtos arrecadados em contrabando", informou. Ele diz que "esses produtos ilegais ajudam bastante na manutenção de atividades filantrópicas".

Segundo ele, via de regra, os produtos de uma carreta são divididos entre duas entidades. Os gastos são muitos - envolvem o aluguel de grandes galpões para a realização do feirão e a contratação de pessoal, dentre outros - mas vale a pena. No caso do Iprede, o arrecadado custeia despesas atrasadas e o leite de crianças carentes por um período considerável. Mas ele não citou valores.

Quanto à promoção Sua Nota Vale Dinheiro, da Secretaria da Fazendo do Estado, o presidente do Instituto lembrou que alguns critérios são preestabelecidos para se efetuar a troca das notas, primeiramente só contam aquelas no valor superior a R$ 10,00, além disso, as nota de postos de combustível não são contabilizadas. "Precisamos pagar funcionários para fazer a separação das notas e o repasse corresponde a 0,05% ao valor das notas. Então, até se chegar a uma quantia significativa nessa troca demora", frisou, adiantando que nessa promoção o Iprede recebe em torno de R$ 3.000,00 ao mês.

Outra alternativa desenvolvida pelo Instituto foi a parceria com a Companhia Energética do Ceará (Coelce), possibilitando o repasse de doações na conta da luz através da adesão à campanha Energia da Criança. Hoje, com essa iniciativa o Instituto chega a arrecadar R$ 6.000,00.

OPINIÃO DO ESPECIALISTA

A credibilidade das ONG´s está em risco

As Organizações Não Governamentais são instituições de finalidade pública que atuam em diversas áreas, como: defesa do meio ambiente, combate à pobreza, assistência social, saúde pública, educação especial etc. Ocupam um espaço onde o poder público, por falta de agilidade ou por incompatibilidade, não tem condições de operar. Geralmente, trabalham em parceria com o Estado. Prestam serviços inestimáveis à sociedade e ao planeta, defendendo-os contra a ação inescrupulosa dos que, na busca do lucro desmedido, pouco se preocupam com o futuro do homem e da vida na Terra.

Na sua grande maioria, são instituições sérias, conduzidas por pessoas bem intencionadas que trabalham voluntariamente, visando atender demandas de setores da sociedade que ficariam totalmente desprotegidos não fosse a ação dessas organizações. Infelizmente, essa não é a regra geral. Como em qualquer segmento da sociedade, neste também há aqueles que fazem uso deste aparelho em benefício próprio, subtraindo recursos tão necessários a parcelas mais fragilizadas da coletividade.

As ONGs são mantidas com recursos de financiamentos públicos e privados. Muitas tiram sua subsistência de doações da população em geral, de setores da sociedade civil (empresários e instituições filantrópicas), e da venda de artigos produzidos por voluntários.

As notícias de que os recursos destinados à defesa do meio ambiente e para o combate à pobreza são desviados para contas particulares colocam em risco a sobrevivência de instituições, que veem a sua credibilidade afetada pelos que agem desonestamente.

Francisco Moreira Ribeiro
Professor de Ciência Política da Unifor

Casa restitui a esperança de crianças com autismo

"Este é o projeto da minha vida". A frase é de Fátima Dourado, diretora clínica da organização especializada no atendimento a crianças e jovens com autismo, a Casa da Esperança, e destaca-se no perfil dela no Facebook. "O desafio inicial era tirar meus filhos Giordano e Pablo do limbo social em que se encontravam. Era necessário devolver-lhes direitos de crianças que lhes tinham sido roubados, garantir-lhes um tratamento decente, uma escola, um caminho, uma esperança", relata ao contar a história da entidade.

O trabalho, lembra, começou em 1993. Mas cedo, Fátima Dourado descobriu que havia um desafio bem maior pela frente e este deu origem à Casa da Esperança. "Havia dezenas de crianças em situação idêntica. Famílias inteiras destroçadas, sem ter a quem recorrer em busca de diagnóstico, orientação, escola e tratamento para os filhos".

Hoje, a organização é referência na atenção a pessoas com autismo e suas famílias. São 400 atendimentos intensivo de quatro horas/dia e mais de mil procedimentos ambulatoriais, por mês nas áreas de psiquiatria, pediatria, psicologia, fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, serviço social e pedagogia.

A Casa oferece, ainda, serviços de avaliação e diagnóstico, atendimento educacional especializado, com inclusão assistida na rede regular de ensino, vivencias terapêuticas e oficinas protegidas. Além disso, recebe profissionais do Brasil inteiro em busca de orientação e capacitação para o trabalho com autismo.

Missão

"Quanto ao cumprimento da nossa missão organizacional, estamos realizados", cita a médica, informando a parceria mantida com a Prefeitura de Fortaleza, como prestadores de serviço do Sistema Único de Saúde (SUS). Já com o Governo do Estado há o convênio para a cessão de professores, "e que estamos aguardando a contratação".

No entanto, diz Fátima Dourado, faltam recursos para a manutenção da sede, incluindo a troca do piso das áreas externas e pintura do prédio. A instituição carece, também, de brinquedos pedagógicos, de uma cama elástica, estantes, armários, bem como fardamento para as crianças e jovens. "Toda doação é bem-vinda, desde papel chamex, pastas, material pedagógico e de escritório, computadores e material de limpeza", ressalta a médica, comentando que estão sendo buscadas novas parcerias, pois os recursos arrecadados com o trabalho prestado têm sido suficientes apenas para pagar o pessoal.

A Casa é uma ONG sem finalidade lucrativa e nunca dependeu de doações. O foco de captação de recursos sempre foi a prestação de serviços e parcerias. "Mas, atualmente, estamos precisando muito de apoio e, se vier, será bem-vindo para que possamos continuar mantendo a qualidade dos nossos serviços", admitiu Fátima Dourado.

Humoristas farão show pelo Desafio Jovem

Pioneira no Nordeste como uma ONG filantrópica voltada ao tratamento de dependência química, o Desafio Jovem completará 37 anos de existência, em junho, e hoje atravessa uma de suas maiores crises, desde quando foi fundado em 1975, pelo médico Silas Munguba, que faleceu no ano de 2009.

Com capacidade para 40 leitos, atualmente a ONG só tem 12 jovens internados em sua sede, na Av. Dedé Brasil, 565, no bairro da Parangaba. Já no tratamento ambulatorial estão uma média mensal de 400 pessoas, quando a capacidade é de 800 a mil atendimentos ao mês, explicou um dos diretores da casa, Wesley Moreira.

"Aqui, temos equipes com psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, agentes terapêuticos", disse Wesley, adiantando que os jovens recebem orientação cristã e aulas do Supletivo. Os professores (três e com uma carga horária de 8h ao dia) são cedidos ao Desafio através convênio com a Secretaria de Educação Básica do Estado.

"Vivemos da solidariedade, e a procura por nossos serviços é enorme, mas não existem recursos para atender à demanda", disse. No próximo dia 6, a partir das 19h30, no Teatro Via Sul, informou, os humoristas Alex Nogueira, Cleber Fernandes, Ery Soares e outros farão uma apresentação com renda destinada ao Desafio Jovem.

Uso de verba deve ser acompanhado

O Lar Amigos de Jesus, vez ou outra, vende material reciclado, realiza bazar de produtos novos e usados, comercializa artesanato produzido por voluntários e participa da promoção do cupom fiscal. Mas, apesar das iniciativas visando angariar recursos para suas despesas, "o dinheiro que entra sai", afirma a irmã Conceição Dias de Albuquerque, a presidente dessa ONG com atuação filantrópica.

Segundo ela, quando são veiculadas na mídia reportagens enfocando o trabalho de apoio e assistência prestada a crianças e adolescentes com câncer, bem como as dificuldades enfrentadas pela instituição, há um aumento nas doações e, em consequência, as finanças melhoram. "Mas a arrecadação vinda das doações logo logo volta a se retrair", comenta.

Ainda assim, a religiosa enfatiza considerar recomendável que as pessoas averiguem para onde estão indo suas colaborações e como os recursos estão sendo aplicados. "Aquele que doa deve participar, se envolver nos trabalhos e nas atividades da instituição", admite, defendendo que a transparência ajuda a manter vivo o interesse da comunidade em projetos filantrópicos.

Lembrou que o Lar tem, ainda, convênio com o Estado - de quem recebe alimentação suficiente para 14 crianças - e com a Prefeitura de Fortaleza - que garante o pagamento da conta de energia elétrica e recursos que ela preferiu não divulgar, por questões de segurança. "Aqui trabalhamos com transparência, tanto que fazemos, mensalmente, reuniões com o voluntariado, numa média de 72 pessoas", acrescentou.

As atividades do Lar incluem recreação e o oferecimento de tratamento odontológico com as crianças e oficinas e cursos com as mães, além de palestras.

MOZARLY ALMEIDA
REPÓRTER
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