O voto delas e por elas

Voto feminino é desafio para assegurar direitos de gênero. Em um dos cenários eleitorais mais complexos desde a redemocratização do País, as cearenses demonstram preocupação quanto às escolhas registradas, pois sabem que serão determinantes para garantir direitos específicos

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@diariodonordeste.com.br

No Brasil, o sufrágio feminino não tem sequer 100 anos de vigor e foi garantido a partir de intensas mobilizações dos movimentos de mulheres. No atual pleito, no Ceará, 53% do eleitorado é do gênero feminino FOTO: FABIANE DE PAULA

O voto quase nunca é um ato de consequência restrita a quem o exerce. Vota-se sempre com a possibilidade de que aquela escolha tenha efeitos sobre a coletividade. No caso das mulheres, que no Ceará representam 53% do eleitorado, votar significa pensar em si, mas também nos anseios que interpelam a população enquadrada no gênero. Em um dos cenários eleitorais mais complexos desde a redemocratização do País, as cearenses foram às urnas e, parte delas, garante que, as escolhas registradas ontem e aquelas a serem consolidadas no 2º turno das eleições foram e serão determinantes para assegurar direitos a muitas outras gerações de mulheres. 

Com pautas específicas em áreas como saúde, trabalho e combate à violência, o eleitorado feminino teve de lidar com uma campanha nacional em que, dos 13 presidenciáveis, apenas duas são mulheres. Além disso, relatam as mulheres nas ruas, a percepção do momento eleitoral é que poucas vezes os direitos específicos de gênero foram tratados com a devida relevância. “A gente sente muita falta de ser representada. O que vemos é que alguns candidatos tratam das pautas específicas de gênero de forma muito tímida. Alguns mais progressistas até tentam entrar no debate, mas a pauta das mulheres permanece aparecendo nos discursos das minorias”, opina a professora Cláudia Veras, moradora do bairro Benfica. 

Na opinião de Cláudia, essa eleição foi uma das mais difíceis e angustiante para as mulheres, pois, alguns direitos que pareciam consolidados historicamente foram sendo relativizados na disputa. Questões como acesso ao direito à saúde de modo integral e o combate à violência, que na opinião da professora são dois temas estruturantes e deveriam receber atenção especial na campanha, foram negligenciados no debate nacional. “Um dos problemas estruturais do País é a violência de gênero e o feminicídio. Para as mulheres, isso significa que é a nossa própria vida que está em risco”, alerta. 

O voto feminino no Brasil não tem sequer 100 anos de vigor e as mulheres sentem que os desafios de gênero incluem pensar em si e nas demais eleitoras envolvidas no círculo de vida. Em sua diversidade, o voto feminino que não é homogêneo, no Ceará, se manifestou justamente nessa complexidade. Militantes, mães, trabalhadoras, aposentadas, dentre tantos perfis, unidas pela fragilidade da baixa representação – com apenas 278 candidatas contra 629 candidatos. Uma proporção que, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é de 30,6%. Pouco mais do que é preconizado pela legislação eleitoral que, desde 2007, estabeleceu uma cota mínima de 30% de mulheres nas listas de candidatos nos partidos políticos e nas coligações.

Diversidade

Em Fortaleza, durante a eleição, a relação entre o voto das mulheres e os efeitos para as futuras gerações foram evidenciados. Para a psicóloga Cybelle Mendonça, moradora da Aldeota e mãe de duas filhas, a campanha eleitoral referente à pauta feminina é, em geral, instrumentalizada por disputas política-ideológicas que pouco respondem às demandas reais do público feminino. “Alguns movimentos são completamente políticos e acabam tendo a importância desvirtuada pois ficam girando em torno de disputas de um lado ou outro. Mas nós, mulheres, não podemos abrir mão dos nossos valores. Independentemente da bandeira política, temos que manter esses valores e exigir respeito”, argumenta Cybelle. 

Organização

No Jacarecanga, a estudante Fernanda Lima, de 16 anos, ao votar pela primeira vez garante que “fez o que achou que deveria fazer pois o momento é tão crítico que se sentiu chamada a votar logo”. Aluna do 2º ano do Ensino Médio, Fernanda acredita que muitas conquistas se refletem no cotidiano das mulheres. No entanto, essas ações não estão seguras e requerem ações permanentes de defesa. “Principalmente no mercado de trabalho”, relata a estudante. 

No mesmo bairro, a professora Sônia Pinheiro defende que só o movimento organizado de mulheres é capaz de barrar ataques frontais às políticas específicas. “Esse cenário foi tão complicado para nós mulheres que mexeu com valores que durante muito tempos nós julgamos já estarem consolidados”. 

Ela garante que integrou ações organizadas contra candidaturas conversadoras e extremas, pois sente-se na obrigação de lutar para assegurar tanto os seus direitos individuais, como aqueles que irão repercutir na vida de milhares de outras mulheres. “Quando vemos determinadas coisas, nem acreditamos que estamos vivenciando de novo. É um retrocesso total que a gente tenha que lidar com algumas pautas conservadoras”, avalia a professora. 

Na Aerolândia, a costureira Daniele Almeida foi ao local de votação acompanhada pela filha Letícia, de 10 anos. Nenhuma das duas sabia ainda os impactos que os resultados prometiam. Elas, assim como outras cerca de 77 milhões de eleitoras no País, terão, pelo menos mais 20 dias de campanha eleitoral pela frente para amadurecer justamente a decisão histórica que afetará de modo direto e, nessa conjuntura específica, tantas outras vidas femininas. 

1932
Ano de início do voto feminino

As mulheres brasileiras tiveram o direito ao sufrágio instituído pelo Código Eleitoral, por meio do Decreto 21.076 de 24 de fevereiro, após muitas ações organizadas pelo movimento feminista

53%
Do eleitorado são mulheres

Do total de 6.344.483 eleitores aptos a votar no Ceará este ano, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral, 3.361.941 são eleitoras. Em Fortaleza, essa quantidade é de 976.018 mulheres

“Quando achávamos que os direitos estavam consolidados, vimos que eles estão em ameaça”

Sônia Maria
Professora

“Já conquistamos muitas coisas, mas temos que ir mais longe e defender todas as conquistas”

Fernanda Lima
Estudante

“Nós não podemos abrir mão dos nossos valores e não podemos deixar de exigir respeito”

Cibelle Mendonça
Psicóloga

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