O que você deseja para um novo ano de vida?

Vai além do material, do tangível, do que se compra. Muito além das sílabas que formam as palavras, dos ponteiros que ditam o ritmo das horas. Amor, saúde, paz... Esperança. O que mais queremos para 2019?

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@diariodonordeste.com.br

Serenidade, silêncio, trégua, calmaria. Os sinônimos de paz listados pelo dicionário podem até condizer com o que a maioria deseja, do alto de pequenos e até imperceptíveis privilégios, mas são incompatíveis com a definição na qual jovens e adultos da periferia de Fortaleza acreditam. Para eles, como na canção, a paz calada não é nem de longe a que querem conservar. O sossego vive mesmo é sob a mira da arma apontada, porque paz sem voz não é paz - é medo.

> Amor para regenerar

> Esperança para seguir

> Saúde para (sobre)viver

E, na contramão do estigma cravado pela sociedade, é coragem o que percorre as ruas do bairro Bom Jardim, na Regional V de Fortaleza, uma das mais castigadas pelo enfraquecimento de políticas públicas, sobretudo para a juventude. Quando o assunto é renda, educação e longevidade, pontos dos quais trata o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o território soma o 16º pior número entre os 119 bairros da cidade: 0,19. O Meireles, líder positivo, tem IDH de 0,95. O máximo é 1.

"Nossos principais desafios são os conflitos armados, multiplicados pela falta de políticas públicas efetivas. Isso acentua a desigualdade social, principalmente entre os jovens, e leva à violência", avalia a assessora de juventudes do Centro de Defesa da Vida Herbert de Sousa (CDVHS), Ingrid Rabelo.

A organização não-governamental, sustentada com recursos de uma instituição católica alemã, desenvolve atividades nos eixos de direito à cidade, vida da juventude, educação em direitos humanos e resistências culturais no grande Bom Jardim, há 24 anos. A maior dificuldade no território, segundo Ingrid, é desconstruir a ideia do armamento e adotar o diálogo como instrumento de mediação. "Paz não é ausência de conflitos, é quando a política pública chega em sua efetividade, quando o direito é garantido. Quando não há moradia digna, e sim um contexto de violência, é impossível alcançá-la", define.

Além da sede, as atividades do CDVHS também adentram nas escolas públicas do bairro, desenvolvidas pelos próprios jovens "para fortalecer o pertencimento e a identidade com o território, buscando também soluções para tornar a escola mais atrativa e agradável". Uma das vidas ainda breves que perpetuam as ideias e dão fôlego ao Bom Jardim é Megh Soares, 17, que faz do Maracatu um caminho possível "para ficar longe das drogas e da violência".

Para ela, o estereótipo ofensivo atribuído ao bairro onde vive deve ser repensado pelos "estrangeiros" e combatido pelos próprios moradores com ações concretas. "Temos que começar a agir onde a violência está predominando, e ainda estamos tentando fazer isso aqui. É uma mudança de dentro pra fora, e não o contrário. A gente tem que mostrar pra juventude o que a arte e a educação proporcionam".

Para chegar à paz tão castigada neste ano e tão desejada para o próximo, então, a consciência tão jovem quanto rica de Megh ensina: é preciso um olhar atento, mas gentil; crítico, mas otimista. "As pessoas ainda têm essa coisa de que o Bom Jardim é o bairro do 'vixe'. Mas a gente tem que mostrar que aqui tem cultura, arte, educação, e mudar o pensamento de quem é de fora. Aqui é violento, todo canto é. Mas o Bom Jardim não é só o lado ruim. Espero que a gente seja visto como o bairro da paz e do amor, e que consiga realizar tudo o que quer em 2019".

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