Judicialização se torna alternativa para carência de atendimento

Agentes do Poder Judiciário lidam diariamente com uma variedade de pedidos, da falta de remédios em postos à liberação de leitos. Na balança, estão o direito à vida e os custos ao Governo e à sociedade

Escrito por Redação , metro@verdesmares.com.br

Existe uma máxima que diz que com saúde não se brinca. Entretanto, a efetivação de um direito social fundamental engasga, frequentemente, nas carências e dificuldades de acesso a serviços, públicos ou privados. Por esse motivo, a judicialização de demandas de saúde, do fornecimento de medicamentos à realização de cirurgias, tornou-se caminho encontrado por parte da população para ter tais garantias respeitadas. Só na Defensoria Pública do Estado do Ceará, são abertas cerca de 20 ações sobre saúde todos os dias.

O número representa um terço da média de 60 pessoas que procuram o Núcleo de Defesa da Saúde (Nudesa), diariamente, em busca do acesso a remédios e tratamentos no Sistema Único de Saúde (SUS) ou em planos de saúde. Segundo a defensora pública Nelie Marinho, quase 50% dos casos já conseguem ser resolvidos administrativamente, ou seja, de forma extrajudicial e, portanto, mais rápida.

"A gente tem tido uma resposta boa porque é mais vantajoso. Por meio da parceria com a Defensoria, a gente passou a entender melhor o processo e o Estado passou a gastar menos. No final das contas, ele tem mais economia com as custas processuais. Depois da parceria, a demanda aumentou, mas eles gastam menos", explica a defensora.

Para a secretária-geral da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CDDPD) da Ordem dos Advogados do Estado do Ceará (OAB-CE), Gabrielle Bezerra, a judicialização reflete a falta de gestão e organização da rede de saúde. "Falta muita responsividade do Governo. Há uma descontinuidade das políticas públicas, e como a saúde é um direito fundamental dividido entre União, Estados e Municípios, depende muito desse arranjo político", analisa.

Atualização

Bezerra defende uma maior organização dessas esferas, bem como a formação de câmaras técnicas, independentes de Estados e do Judiciário, que possam atuar na conciliação dos casos e auxiliar decisões de magistrados a partir de pareceres especializados.

Além disso, a advogada sugere que o rol de medicamentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) acompanhe os avanços das pesquisas científicas, a fim de evitar que a população fique desassistida de alguns remédios, e a realização de um censo para saber quantas pessoas "precisam daquele medicamento para licitar e antecipadamente não faltar".

No entanto, se engana quem pensa que a judicialização leva a tratamentos interpretados como ideais pelo paciente. "O médico deve utilizar o tratamento preconizado pelo SUS, não o que a pessoa quer. 'Ah, mas eu quero o melhor tratamento'. Então você tem que pagar no atendimento particular. A gente tem que se adequar ao que o Governo oferece", explica a defensora Nelie Marinho.

Disponibilidade

A maior parte dos processos surge justamente através da Defensoria Pública, pela procura de pessoas hipossuficientes que não podem pagar um advogado. O Nudesa distribui senhas diariamente em sua sede, no bairro Luciano Cavalcante. O Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) é outra entidade que se disponibiliza no auxílio de demandas de saúde.

"Existe o princípio da reserva do possível, dentro do que o Governo pode conceder, mas o direito à vida se torna maior", observa a advogada Gabrielle Bezerra. Nelie Marinho complementa: "O SUS é para todos. Não acho justo uma pessoa precisar de uma UTI e não ter porque o Governo não tem disponibilidade. O Judiciário tem que intervir pela falta de gestão pública. Muitas vezes, o problema não é o dinheiro. Ele só é mal empregado".

A Secretaria Estadual da Saúde (Sesa) informou que, em 2018, até o último dia 20, recebeu 5.964 processos judiciais. Em todo o ano passado, foram 5.256. Em média, o custo mensal da Pasta com a judicialização é de R$14,8 milhões de reais. "São  processos judiciais relacionados a medicamentos de alto custo, dietas enterais, cirurgias, material médico", afirma.

Segundo a Sesa, a solicitação mais comum é a demanda por medicamentos para pacientes em tratamento de câncer, oesteoporose, fibrose cística e doenças raras, que não constam na Relação Nacional de Medicamentos (Rename) para fornecimento gratuito pelo SUS ou não têm distribuição regulamentada pela Anvisa. "Atualmente, a Sesa atende a 7.157 pacientes que recebem medicamentos judicializados. Destes, 1.942 ingressaram em 2018 com o processo judicial", complementa. 
 

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