Instituto denuncia poluição do Rio Ceará por Aterro Sanitário

Análises de solo e água constataram a presença de metais pesados em riacho que deságua no Rio Ceará

Escrito por Theyse Viana - Repórter ,
Legenda: Segundo a denúncia, vazamentos do Aterro Sanitário têm contaminado o solo e as águas subterrâneas e superficiais da região, depositando metais pesados no Riacho Garoto, que deságua no Rio Ceará
Foto: Foto: Waleska Santiago (25/4/2014)

As mortes de animais e o aparecimento de doenças de pele e diarreicas em moradores da zona rural de Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), foram responsáveis por denunciar um crime ambiental supostamente causado pelo Aterro Sanitário Metropolitano Oeste do Município (Asmoc). De acordo com o Instituto do Meio Ambiente de Caucaia (Imac), vazamentos oriundos do equipamento têm contaminado o solo e as águas subterrâneas e superficiais da região, depositando substâncias como metais pesados no Riacho Garoto - que deságua no Rio Ceará e cruza a reserva indígena dos Tapebas, levando na correnteza diversos riscos à saúde de pelo menos oito comunidades da região.

Segundo o gerente de fiscalização do Instituto, Emanuel Baracho, denúncias de moradores levaram o Imac a informar à Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace), em abril do ano passado, sobre as possíveis irregularidades na estrutura do Asmoc, já que é do órgão estadual o dever de fiscalização - "mas nunca obteve retorno". "Um ano depois, reiteramos a denúncia e, sem resposta, realizamos a vistoria. Em relatórios trimestrais da própria Semace, desde 2015, já havia indícios de vazamento de chorume e contaminação", aponta o especialista em Meio Ambiente e Direito Ambiental do Imac.

As amostras de água e solo foram coletadas pelo Imac e analisadas pelo Núcleo de Tecnologia Industrial do Ceará (Nutec), cujos laudos constataram, em janeiro deste ano, a presença de "quantidades elevadas de ferro, cloreto, chumbo, níquel e outros metais pesados" nos recursos naturais ao redor do aterro, de modo que as amostras "não estão em conformidade com a Resolução nº 357/05 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)" - que dispõe sobre a classificação dos corpos de água e estabelece as condições e padrões de lançamento de efluentes.

"A população de toda a região consome essa água e não sente a consequência de imediato, mas essas substâncias se acumulam no organismo e geram consequências graves em médio e longo prazos", salienta Emanuel Baracho, informando ainda que novos laudos "mais detalhados com referência aos metais pesados" serão recebidos hoje pelo Imac.

Poluição

O problema, opina o geólogo, é consequência de falhas na própria construção do Aterro Sanitário. "Hoje, são utilizadas mantas de impermeabilização em estruturas como essa. No Asmoc não tem. Além disso, verificamos uma quantidade excessiva de urubus e outros animais, comuns em lixões, mas incomuns em aterros sanitários. Isso indica que há alguma coisa errada, não sabemos até que ponto o Asmoc obedece os critérios de funcionamento", destaca o chefe de fiscalização do Imac, chamando atenção para uma das principais preocupações em relação à contaminação do local.

"O agravante é que o Riacho Garoto, que tem recebido os resíduos, além de ser fonte para as pessoas da região, deságua no Rio Ceará e passa pela reserva dos Tapebas, expandindo ainda mais o problema". Conforme Baracho, o Imac notificou e autuou a Ecofor Ambiental, empresa do grupo Marquise que administra e opera o aterro sanitário - esta, porém, recorreu da decisão, alegando que o Instituto não tem competência de fiscalizar, já que a licença de funcionamento foi concedida pela Semace e só esta poderia agir sobre as irregularidades denunciadas.

Em nota, a Ecofor declarou que "o atual aterro é um projeto antigo, construído pelo Governo do Estado" e que "tem apenas a obrigação de operá-lo". A empresa informou ainda que "fez várias mudanças técnicas, nos últimos anos, em parceria com a Semace, para manter o controle ambiental do tratamento de resíduos". Quanto ao Novo Aterro, cujo processo de implantação se estende desde 2010, a administradora garantiu que "iniciará as operações em dezembro de 2018, incorporando técnicas construtivas e ambientais das mais atuais e modernas disponíveis". Questionada pela reportagem sobre as infrações e sobre já ter constatado vazamentos e inadequações na estrutura do aterro desde 2015, a Semace afirmou, em nota, que enviará uma equipe da diretoria de Controle e Proteção Ambiental ao local.

O órgão disse ainda que se ficar comprovado lançamento de efluentes líquidos no solo ou em recursos hídricos, a equipe coletará amostras do material para posterior análise em laboratório. "O resultado da análise laboratorial será enviada à Diretoria de Fiscalização, que avaliará a extensão e gravidade da suposta contaminação, e tomará as providências previstas em lei.

A Semace informou também que o Aterro tem licença ambiental de operação, "estando sujeito ao cumprimento dos termos da licença, entre eles o de monitorar a atividade licenciada e de informar ao órgão licenciador eventuais danos causados na operação do equipamento".

Ação coletiva

O advogado e líder comunitário Weibe Tapeba contabiliza que pelo menos oito das 17 comunidades indígenas da região têm sido diretamente prejudicadas pela contaminação das águas em que o chorume é despejado. "Existe uma redução de peixes e caranguejos na região, e os Tapebas vivem da venda desses pescados. Além disso, as famílias de uma das comunidades têm reclamado de doenças de pele e diarreia, já que utilizam a água do Rio Ceará para atividades como tomar banho e lavar roupas".

Segundo Weibe, denúncias sobre o suposto crime ambiental já foram enviadas à Fundação Nacional do Índio (Funai) e ao Ministério Público Federal (MPF), e um requerimento "solicitando a anulação da licença de funcionamento do aterro atual e a suspensão das licenças de instalação e operação do novo aterro" foi aprovado, na manhã de ontem, na Câmara Municipal de Fortaleza. O documento, explica Tapeba, "não tem poder coercitivo" e será encaminhado à Secretaria de Planejamento Orçamento e Gestão (Sepog) para possíveis providências.

O advogado Weibe Tapeba declarou ainda que as comunidades estão reunindo documentos e evidências técnicas para dar entrada em um pedido de ação pública coletiva junto ao Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado. À reportagem, a Defensoria Pública Geral do Estado confirmou que os representantes caucaienses procuraram o órgão e, uma vez reunidos os requisitos, poderão solicitar a ação contra a administração do Asmoc.

Reportagem denunciou limites de operação

Uma reportagem do Diário do Nordeste publicada em agosto de 2014 já denunciava a situação-limite em que os aterros sanitários do Estado operavam, ressaltando, inclusive, que o período máximo de funcionamento do atual Aterro Sanitário Metropolitano Oeste de Caucaia deveria ser atingido dois anos depois, no ano de 2016.

Diariamente, de acordo com a Ecofor, 4.500 toneladas de resíduos são transportadas por cerca de 300 caminhões coletores ao Asmoc, cuja ampliação deve ser concluída neste ano. O Novo Aterro será construído ao lado do atual e integrará o Centro de Tratamento de Resíduos (CTR) do Município.

Ao todo, segundo a Ecofor, a zona destinada para receber os resíduos domiciliares e públicos terá 73,36 hectares, o equivalente a cerca de 102 campos oficiais de futebol.

Demanda

Conforme o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) apresentado à Semace, a área foi dimensionada para atender à demanda da Capital e da RMF pelos próximos 16 anos e 8 meses, funcionando, assim, até 2034, caso seja finalizada em 2018. De acordo com a superintendência estadual, o processo de instalação possui licença válida até junho de 2019. Segundo o Rima, foram identificados 104 possíveis impactos relacionados à construção do novo aterro sanitário, dos quais 45% são admitidos como negativos.

Preservação

A fim de minimizá-los, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) e a Ecofor firmaram, na edição do Diário Oficial do Estado do dia 22 de fevereiro deste ano, um Termo de Compromisso de Compensação Ambiental, que prevê o direcionamento de 0,5% do custo total da obra - orçada em R$ 13 milhões - para ações de preservação.

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